TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

691 acórdão n.º 299/18 Todavia, sempre se dirá o seguinte: 27.º Dizer que tem que haver um juízo de previsibilidade de aplicação de normas, quer de direito, substantivo, quer de direito processual, cairíamos no ridículo de ter de invocar inconstitucionalidades aplicando um juízo de prognose, podendo ser abertas inúmeras hipóteses e sub-hipóteses. 28.º Tal não é consentâneo com o direito.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 5. Na reclamação apresentada, a reclamante sustenta, em síntese, que estão preenchidos todos os requi- sitos legais de admissibilidade do recurso de constitucionalidade por si interposto, concluindo, assim, que não deveria ter sido recusado o recebimento do mesmo. Tendo o Ministério Público tomado posição no sentido do indeferimento da reclamação, em virtude de a recorrente não ter suscitado a questão de constitucionalidade antes da prolação do acórdão de 28 de setem- bro de 2017, a ora reclamante respondeu sustentando que não cabe na previsão da norma do artigo 425.º, n.º 5, do CPP, as nulidades da sentença da primeira instância, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa tem de se pronunciar sobre as mesmas de forma expressa, o mesmo sucedendo com o pedido de reapreciação da prova, pelo que a aplicação de tal norma se revelou inesperada e inusitada, não se podendo afirmar que a recorrente poderia ter suscitado a questão de constitucionalidade em momento anterior, nomeadamente, quando interpôs o recurso para a Relação de Lisboa, uma vez que não era previsível a aplicação de tal norma. Salienta ainda a reclamante que o recurso não se cinge ao acórdão de 28 de setembro de 2017, mas tam- bém à decisão que tomou conhecimento da invocada nulidade por si arguida e, quando a esta última, sempre se teria de considerar verificado o requisito da suscitação da questão de constitucionalidade. Contudo, não se lhe assiste razão. 6. O recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC – a que se reporta, em primeira linha, o artigo 280.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição – pressupõe a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo, sob pena de ilegitimidade do recorrente. Essa suscitação constitui um ónus, que recai sobre o recorrente, de colocar a questão de constituciona- lidade ao tribunal a quo, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma, que criem para o mesmo tribunal um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal ques- tão se reporta. O referido ónus deve ser apreciado de um ponto de vista funcional, atendendo à arquitetura do sistema português de fiscalização concreta: nesta arquitetura, a intervenção do Tribunal Constitucional faz-se por via de um recurso (o recurso de constitucionalidade), o que pressupõe que o tribunal a quo tenha emitido uma pronúncia sobre as questões que são posteriormente colocadas à decisão desta instância. No caso do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tal pronúncia decorre, assim, de um verdadeiro dever de decisão em que fica constituído o tribunal recorrido, na sequência da suscitação da questão de inconstitucionalidade. Daí que a suscitação da questão em apreço corresponda a um requisito de legitimidade do recorrente constitucional, nos termos previstos no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. Ora, como a jurisprudência constitucional tem afirmado, de modo reiterado e unânime, a suscitação deve ocorrer antes da prolação da decisão final, uma vez que a partir desse momento se encontra esgotado o poder jurisdicional (nos termos previstos no artigo 613.º do Código de Processo Civil – CPC). Com efeito, uma vez que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da deci- são, nem a torna obscura ou ambígua, os incidentes pós-decisórios (como sejam os pedidos de aclaração, de reforma ou de arguição de nulidade) não constituem momento processualmente adequado para a suscitação

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