TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

69 acórdão n.º 242/18 16. Como decorre do anteriormente exposto, esta linha de argumentação, partindo embora da inequí- voca universalidade da garantia do acesso à justiça, procura autonomizar uma das suas vertentes, nomeada- mente o direito à proteção jurídica entendido como direito a não ver impedido o acesso aos tribunais por razões de insuficiência de meios económicos, considerando a mesma como incompatível com a natureza das pessoas coletivas com fins lucrativos. Consequentemente, tais pessoas coletivas não seriam titulares do direito fundamental em causa, não estando o legislador ordinário por isso vinculado a salvaguardar minimamente tal direito. Ora, tal entendimento não se afigura admissível devido, por um lado, à indissociabilidade entre o direito de acesso aos tribunais e a garantia de a eles aceder em caso de insuficiência de meios económicos; e, por outro lado, em virtude de não estar demonstrada a impossibilidade de, por natureza, aquele tipo de sujeitos se ver inibido ou impedido de recorrer à justiça por razões económicas. Mas, para além disso, e acrescendo às razões literais e teleológicas inerentes ao próprio artigo 20.º, n.º 1, da Constituição já indicadas supra no n.º 14, que contrariam uma opção legislativa como a consagrada no artigo 7.º, n.º 3, da LADT, a verdade é que o citado entendimento se baseia em pressupostos que não são exatos e não considera os desenvolvimentos mais recentes quanto à interpretação dos direitos fundamentais consagrados na CDFUE, nomeadamente no seu artigo 47.º (Direito à ação e a um tribunal imparcial). Assim, e desde logo, a isenção de custas legalmente prevista não visa salvaguardar – nem salvaguarda – a proteção jurídica constitucionalmente garantida (cfr. infra a Secção D) . Depois, nada na jurisprudência do TEDH se opõe à concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos; aliás, bem pelo contrário, como resulta da evolução jurisprudencial sobre a matéria em diálogo com a jurisprudência do Tri- bunal de Justiça, (cfr. infra a Secção E). Finalmente, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.º da CDFUE pode exigir, dependendo das circunstâncias do caso concreto, justamente, a concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem que tal possa ser considerado como disfuncional relativamente às regras da concorrência num mercado eficiente (cfr. infra a Secção F). 17. Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional já declarou que o direito de acesso aos tribunais tem como dimensão inerente a garantia de não ser denegada a justiça por falta de meios económicos (Acórdão n.º 316/95). Ora, tratando-se de uma simples vertente do direito de acesso aos tribunais, a unidade de con- teúdo do mesmo direito postula prima facie que os respetivos titulares possam beneficiar de todas as suas faculdades. Na sua unidade, o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos o acesso aos tribunais independentemente da condição económica. Isto, naturalmente, sem prejuízo de diferenciações justificadas pela diferença típica de necessidades de apoio, a apreciar caso a caso. Como se disse no Acórdão n.º 962/96, a Constituição impõe a garantia de acesso ao apoio judiciá- rio «em todos os casos de insuficiência económica, em ordem à concretização do direito ao tribunal. Para mais, este direito é garantido a “todos” pela Constituição». Na verdade, o direito de acesso aos tribunais seria meramente formal ou teórico se, ao ser conferido a pessoas coletivas com fins lucrativos, não cobrisse a eventualidade de estas se não encontrarem em condições de fazer face às respetivas despesas. Ora, sendo a universalidade especialmente sublinhada pela Constituição no próprio texto do artigo 20.º (ao sublinhar que “a todos” é garantido o acesso ao direito e aos tribunais), a garantia constitucional de acesso ao tribunal abrange, necessariamente, o direito a não ser privado da tutela jurisdicional por força da insuficiência de meios económicos. No fundo, a dimensão garantística (segundo a qual ninguém pode ser impedido de recorrer a tribunal por força da sua condição económica) é incindível do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva: sendo atribuído a pessoas coletivas com fins lucrativos o direito de acesso aos tribunais, este direito não pode ser postergado por não existirem os mecanismos para a sua tutela económica (cfr. Ángel Gómez Montoro, La titularidad de derechos fundamentales por personas jurídicas: un intento de fundamentación , cit. no Acórdão n.º 279/09).

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