TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
680 instituto que se revele socialmente desajustado, também a ausência de tradição nacional, normalmente invo- cada a este propósito na sequência da desvalorização do júri pela legislação do Estado Novo, não constitui argumento para a recusa em alargar uma figura que reforça o princípio democrático e que constitui uma manifestação da soberania popular. – Maria Clara Sottomayor. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei o Acórdão nos precisos termos da sua dimensão decisória e da argumentação que a sustenta. No sentido de que o regime de recursos das decisões do tribunal do júri – vigente desde a reforma de 2007 do Código de Processo Penal (CPP), operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, não colide com a Consti- tuição da República (CRP), não violando designadamente o disposto no n.º 1 do artigo 207.º da Lei Funda- mental. Tal vale sobremaneira para a norma resultante dos artigos 227.º, 228.º e 412.º, n.º 3, do CPP, que abre a possibilidade de as decisões do júri em matéria de facto serem objeito de reapreciação e modificação – mesmo em prejuízo do arguido – por parte do Tribunal da Relação. Nas constelações mais extremadas, a possibilidade de uma decisão em matéria de facto, unanimemente subscrita pelos três juízes togados e pelos quatro juízes leigos que compõem o Tribunal do júri, acabar por ser revogada pelo voto de apenas dois juízes “letrados” do Tribunal da Relação (cfr. artigo 419.º, n.º 2, do CPP). A benefício de clarificação e rigor, a minha adesão ao decidido vale apenas no plano estritamente cons- titucional. E é assumida posto naturalmente entre parênteses o juízo que no plano do direito ordinário nos mereçam as soluções encontradas e positivadas pelo autor da reforma de 2007. Plano em que, fazendo coro com um número significativo de vozes credenciadas da doutrina e da praxis pátrias, também eu me pronun- ciei em termos decididamente críticos (Costa Andrade, Bruscamente no Verão Passado, a Reforma do Código de Processo Penal, 2009, pp. 45 e seguintes). Plano em que, ontem como hoje, continuo convencido de que as marcas eidéticas que no plano cultural e histórico – civilizacional caracterizam o Tribunal do júri e o distin- guem do normal coletivo de juízes letrados, apontariam para um regime específico de controlo das respetivas decisões em sede de recurso (em matéria de facto). E, como tal, um regime que não assuma mimeticamente as soluções válidas para o escrutínio das decisões daqueles outros tribunais coletivos. 2. Nesta minha compreensão – jusconstitucional – das coisas pesou particularmente a circunstância de o legislador constituinte ter intencionalmente renunciado a dar ele próprio resposta aos problemas nuclea- res da figura e do regime de funcionamento do Tribunal do júri: composição, pressupostos e termos da sua intervenção, etc. Matérias em que, em vez de ser ele próprio a desenhar as soluções e impô-las como premis- sas rígidas ao legislador ordinário, cometeu, pelo contrário, a este a sua definição e consagração positivada. Tarefa que o mesmo legislador ordinário pode cumprir com grande autonomia e plasticidade. Para além de se abster de ditar os termos do como da intervenção do júri, o legislador constituinte renunciou mesmo a decidir da questão radical do se, sc , da efetiva existência e intervenção do júri. Isto na medida em que só haverá lugar à intervenção do júri quando tal corresponder aos desígnios e às decisões insindicáveis das “partes”, acusação e defesa. Em termos tais que, seja como for quanto ao programa político subjacente à CRP, a verdade é que o seu programa normativo e positivado pode cumprir-se integralmente mesmo na hipótese mais extremada de a intervenção do júri, pura e simplesmente, não ter lugar. Isto é, mesmo na hipótese de a figura do júri se perpetuar como ideia “pura”, como estrela da constelação da law (constitucional) in book, onde esgotaria a sua relevância. 3. Por exigências de rigor categorial e principiológico, importa moderar as cambiantes da contraposi- ção, com curso recorrente nos textos doutrinários votados à problemática do júri e atinente a uma diferente legitimação democrática. Uma contraposição recorrentemente traduzida pela distinção entre uma justiça
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