TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

68 admitindo-se por isso a conclusão da incompatibilidade de tal proteção com a natureza da personalidade coletiva (cfr. declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues aposta ao Acórdão n.º 279/09). No fundo, associa-se o direito à assistência e apoio judiciários à personalidade humana, inferindo-se daí a inexis- tência de imposição constitucional de o conceder a pessoas coletivas que prossigam o lucro. Em segundo lugar, entendeu-se que a norma em causa, por força do regime das custas processuais que isenta de custas as sociedades, civis ou comerciais, e os estabelecimentos de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho [cfr. o artigo 4.º, n.º 1, alínea u) , do Regu- lamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro], não inviabiliza totalmente o direito de acesso à justiça, já que as pessoas coletivas que se encontram em situação verdadei- ramente deficitária, beneficiam de isenção de custas em qualquer processo (exceto de foro laboral, como assinalado), não carecendo, por isso, de qualquer apoio. Em terceiro lugar, e principalmente, defendeu-se constituírem as pessoas coletivas com fins lucrativos um leque de sujeitos estruturalmente distintos das pessoas individuais. Sustentou-se que aquelas têm neces- sariamente de fazer provisões financeiras na planificação da sua atividade normal, tendo assim condições para aí integrar os custos próprios da litigância e repercuti-los no custo final dos bens e serviços fornecidos: «devem, por imposição legal, integrar na sua atividade económica os custos com a litigância judiciária que desenvolvem, assim assegurando a proteção dos interesses patrimoniais da universalidade dos credores e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia. Já quanto ao cidadão comum, bem se deve reconhecer que tais custos representam, em regra, uma despesa excecional e episódica». Acresce o facto de as despesas suportadas pelas pessoas coletivas acabarem por ser abatidas para efeitos de matéria coletável (coisa que não sucede com o regime tributário das pessoas singulares). No fundo, o Tribunal entendeu não serem equiparáveis, para efeitos de promoção do acesso à justiça e aos tribunais, as pessoas coletivas com fins lucrativos com as demais, porquanto nelas se não verifica a específica situação de insuficiência de meios económicos pressuposta pela Constituição para a consagração daquele direito. Para esta conclusão, concorre, sobretudo, o facto de a integração daqueles custos empresariais ser até um pressuposto normativo para a sua existência jurídica, daí se inferindo não ser o direito ao apoio judiciário compatível com a natureza daquelas pessoas coletivas: ao existirem, fazendo por isso provisões para a litigân- cia própria da atividade que desenvolvem, não se encontram na situação de insuficiência a que alude a parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. Já no respeitante aos custos dos litígios que se coloquem fora da sua atividade económica normal, entendeu-se que aquelas pessoas coletivas estão em condições de utilizar mecanismos de seguro e de prevenção que são igualmente integrados nos custos da atividade, colocando-as em posição distinta da que enfrentam as pessoas singulares e as pessoas coletivas sem escopo lucrativo. Assim, a sua situação não seria equiparável à das pessoas singulares nem à das pessoas coletivas de fim não lucrativo para efeitos de promoção pelo Estado de acesso à justiça, razão pela qual a Constituição não obrigaria a estender o direito à assistência jurídica àquele leque de sujeitos. A isto se acrescentou que o facto de uma pessoa coletiva com escopo lucrativo não estar em condições de suportar os custos inerentes a um processo judicial no quadro da sua normal atividade «evidencia a invia- bilidade económica da empresa e, no limite, poderá determinar a respetiva falência, favorecendo o desenvol- vimento saudável da livre economia, uma vez que o Estado deve promover prioritariamente o acesso à justiça das pessoas singulares e entidades sem fins lucrativos, em detrimento da opção de financiamento público dos custos inerentes à atividade normal e lucrativa das empresas» (Acórdão n.º 216/10). Entendeu-se, em suma, que quando tais entidades não tiverem recursos financeiros para custear as despesas judiciárias, não existe «motivo para sustentar a sua viabilidade porque, na verdade, estão a prejudicar a economia global» (Salvador da Costa, ob. cit. , p. 45), sendo por isso legítima a conclusão de que não quis o legislador constitucional abrangê-las. Aliás, apoiá-las financeiramente em tais circunstâncias até redundaria na criação de distorções e de ineficiências no funcionamento dos mercados.

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