TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

679 acórdão n.º 417/18 n.º 1, e 209.º, n.º 1, alínea a) , e 211.º, todos da Constituição]. Os mesmos constituem parte integrante do arquétipo do modelo de justiça vigente e estão subordinados às mesmas garantias. Donde, não se descortina argumento que sustente a asserção de que a decisão proferida pelo tribunal de júri é, por imposição constitu- cional, insuscetível, por via do recurso, de reexame ou alteração, nos exatos moldes previstos para as demais decisões dos restantes tribunais. Não se divisa, por isso, qualquer inconstitucionalidade na interpretação normativa que permite ao Tri- bunal da Relação, por força da conjugação do disposto nos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b) , do Código de Processo Penal, a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do mesmo diploma. III – Decisão 13. Pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa que permite ao tribunal da relação, por força da conjugação do disposto nos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal, a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do mesmo diploma; b) Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e pelo assistente, com a con- sequente reforma da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em consonância com o acima decidido. Sem custas. Lisboa, 9 de agosto de 2018. – Maria Clara Sottomayor (com declaração) – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Catarina Sarmento e Castro – Manuel da Costa Andrade (com declaração). DECLARAÇÃO DE VOTO A opção do legislador constituinte de atribuir ao tribunal de júri um papel muito limitado ficou a dever- -se a razões conjunturais, ligadas ao espírito da época, nomeadamente, à experiência de extremismo do pro- cesso revolucionário em curso nos anos de 1974 e 1975 e ao receio de uma deriva para uma justiça popular, conforme decorre dos trabalhos preparatórios da Assembleia Constituinte, bem como a uma cultura jurídica formatada pelas universidades no tempo da ditadura e que se caraterizava pelo hermetismo dos métodos jurídicos, pelo elitismo e pela desconfiança em relação à competência cognitiva dos leigos para o julgamento de factos. Há que reconhecer, pelo contrário, que a apreciação de testemunhos, indícios e presunções não são questões de dogmática jurídica, mas de sensibilidade moral e social, que ultrapassam a formação técnico- -jurídica e exigem capacidades que estão para além dela. Por ter uma natureza conjuntural, esta visão minimalista da função do tribunal de júri não se impõe ao legislador, que, em nome do aprofundamento do princípio democrático e da soberania popular (artigo 3.º da Constituição), não só tem margem de liberdade para aderir a um modelo que transforme o tribunal de júri num fator de legitimação democrática das decisões sobre a pretensão punitiva do Estado, como assim reali- zaria, de forma mais perfeita, o programa da Constituição na sua globalidade, introduzindo na justiça penal um fator de legitimação e controlo social imprescindível numa época de crise de autoridade das burocracias judiciárias. Argumentos históricos e de tradição não constituem, em si mesmos, motivos para não aumentar o relevo do tribunal de júri. Assim como a tradição não é argumento para manter na ordem jurídica um

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