TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
678 espaço decisório (e, portanto, uma grande margem de discricionariedade) quanto ao “se” destas formas de Administração da Justiça e quanto ao “como” da composição e modo de funcionamento destes tribunais». Da norma constitucional apenas se retira, como única consequência imperativa para o legislador ordiná- rio, a previsão legal do tribunal de júri para o julgamento de crimes graves, ficando na disposição do legislador a definição da composição do tribunal e o seu modo de exercício efetivo. Com efeito, a norma constitucional concebe este tribunal como uma instituição de alcance muito limitado, que funciona apenas em matéria criminal e somente nos crimes graves, podendo a lei definir este conceito de forma mais ou menos restritiva. Por outro lado, o modelo constitucional de tribunal de júri não implica a sua obrigatoriedade, intervindo este tribunal apenas a requerimento da acusação ou da defesa, isto é, do MP, do assistente ou do arguido. Do regime legal vigente resulta que o tribunal de júri intervém no julgamento de crimes graves, decide a questão de facto e a questão de direito e é composto maioritariamente por elementos sem formação jurídica: a sua composição é mista, três juízes profissionais, quatro jurados efetivos e quadro suplentes (artigos 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro), tendo, assim, o legislador consagrado uma solução expansionista no que diz respeito à relevância dos jurados na composição do tribunal de júri, exercendo estes uma função equiparada à dos juízes de direito. 12. Os termos em que o tribunal de júri foi consagrado na Constituição de 1976 significaram, como mencionado, uma rutura com a experiência liberal, de importação anglo-saxónica, de um tribunal bifurcado, em que o colégio de jurados era autónomo do juiz (modelo da Constituição de 1822 e da Carta Constitu- cional de 1826), bem como com a tradição republicana da Constituição de 1911, que tinha consagrado, no seu artigo 59.º, a obrigatoriedade do júri em matéria penal, «quando ao crime caiba pena mais grave do que prisão correcional e quando os delitos forem de origem ou de carácter político». Assim, o fundamento do tribunal de júri só pode encontrar-se na ideia de participação popular na Administração da justiça, não podendo ver-se neste tribunal uma qualquer forma exclusiva de garantia sub- jetiva do arguido, de garantia da presunção de inocência ou um direito de o arguido ser julgado pelos seus pares (cfr. Damião da Cunha, «Anotação ao artigo 207.º da Constituição», Constituição portuguesa Anotada, Tomo III, ob. cit. , p. 95). Neste enquadramento jurídico-constitucional e histórico, não pode, portanto, afirmar-se que o processo legislativo de diminuição dos poderes dos jurados, em sede de matéria de facto, agora sujeita a revisão por um tribunal superior, viole o parâmetro constitucional invocado na decisão recorrida ou qualquer outro. Em consequência, a conclusão acolhida na decisão recorrida, no sentido de que ao Tribunal da Relação estaria vedada a modificação ou reexame, em recurso, da decisão proferida pelo tribunal de júri, não se mos- tra imposta pelo artigo 207.º, n.º 1, da Constituição. De resto, a colocação sistemática deste preceito con- firma essa conclusão: estando a norma do artigo 207.º da Constituição colocada no Título V, «Tribunais», juntamente com o artigo 202.º, relativo à função jurisdicional, tal indicia que os tribunais de júri, apesar da sua especificidade, são tribunais comuns, inseridos na hierarquia dos tribunais judiciais, e que as suas deci- sões não estão fora do sistema unitário de recursos moldado pelo legislador do Código de Processo Penal. Por outro lado, apesar de a participação dos cidadãos na administração da justiça ser portadora de um simbolismo específico e de constituir um meio importante de comunicação entre a comunidade e os tribu- nais – aspeto que é valorado positivamente pela Constituição –, a mesma não põe em causa a unidade da jurisdição nem a sua legitimidade democrática. Com efeito, inexiste, no quadro constitucional vigente, fundamento que consinta o estabelecimento de uma distinção quanto ao grau de legitimidade democrática entre o tribunal de júri e o tribunal constituído em exclusivo por juízes togados nem fundamento que imponha ao legislador ordinário um regime específico de recurso para os tribunais de júri. Na conceção do legislador constitucional, tribunais de júri e tribunais compostos exclusivamente por juízes profissionais são, todos eles, tribunais judiciais, órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo [cfr. os artigos 108.º, 110.º, n.º 1, 202.º,
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