TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

677 acórdão n.º 417/18 juízes de carreira, exerceu a sua margem de apreciação, fundamentando esta medida na conceção segundo a qual o júri não é entidade dotada de uma especial legitimidade, mas tão só de uma particular solenidade, assumindo fundamentalmente um caracter simbólico. No mesmo sentido, a propósito da reforma de 2007, defendendo que a solenidade do júri não justifica uma conversão do direito ao recurso (Exposição de Moti- vos da Proposta de Lei n.º 109/X), afirmou Simas Santos («Revisão do processo penal: os recursos, in Que futuro para o direito processual penal?, Coimbra editora, 2009, p. 195), que a justificação para o especial regime de recurso em matéria de facto foi, para além da solenidade do júri, também a sua composição e significado. Efetivamente, afigura-se que o objetivo prosseguido com a consagração constitucional do júri consiste na tarefa, atribuída ao Estado, de assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais, consignada no artigo 9.º, alínea c) , da Constituição. Não está, por isso, em causa e carece de fundamento a premissa, acolhida na decisão recorrida, sustentada na ideia de que ao tribunal de júri deve reconhecer-se uma legitimidade democrática superior à dos tribunais constituídos por juízes togados na tarefa de administração da justiça em nome do povo, que lhes está acometida, por força do disposto no artigo 202.º, n.º 1, da Constituição. Note-se ainda, que, do ponto de vista do direito comparado, a consagração do regime de júri não é um fenómeno universal e conhece diversos modelos, com níveis de tradição e intervenção distintos, sem que daí decorra qualquer subsídio para a fundamentação acolhida na decisão recorrida, ademais porque, nem na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, nem na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, se divisa qualquer referência ao tribunal de júri. No sistema português, o tribunal de júri não assume o lastro histórico que conhece noutras ordens jurídicas, mormente nos sistemas de common law , associado ao inte- resse do indivíduo no julgamento pelos pares, consagrado na Magna Carta de 1215 e no VI Aditamento à Constituição norte-americana. Não se afigura, por isso, procedente invocar, como elemento interpretativo do parâmetro constitucional em causa, experiências estrangeiras nas quais o tribunal de júri tem uma forte tradição histórica e cultural, nem a assimilação da tradição de outros sistemas pelo processo penal português é, de algum modo, imposta pelos valores e princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, embora o legislador ordinário, em sede de direito infraconstitucional, tenha liberdade para aderir a novas conceções do tribunal de júri e para reforçar o seu papel. A Constituição não impõe, assim, um tribunal de júri com a última palavra, em sede de matéria de facto, mas apenas a democratização da atividade de julgar através da participação dos cidadãos na administra- ção da justiça como fator de reforço da cidadania, de co-responsabilização da comunidade e de contra-peso ao risco da burocracia e da rotina judiciárias. No entanto, a concretização de tal desígnio pode assumir várias modalidades, cabendo ao legislador ordinário, para o qual remete a norma constitucional, optar por uma via maximalista de irrecorribilidade das decisões do tribunal de júri; por uma via intermédia, semelhante à solu- ção anterior a 2007, segundo a qual as decisões do tribunal de júri são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça na forma de revista alargada; ou por uma via mais minimalista, que, reconhecendo poderes para decidir de facto e de direito ao tribunal de júri, permite o reexame da matéria de facto pelos Tribunais da Relação, nos mesmos moldes em que estes tribunais procedem à apreciação global dos factos considerados provados e não provados por um tribunal coletivo constituído por juízes de carreira. Independentemente das várias posições que se perfilam na doutrina agora em apreciação, certo é que a Constituição, no artigo 207.º, n.º 1, não aderiu a qualquer modelo específico de tribunal de júri nem impõe um modelo maximalista dos poderes destes tribunais ou um sistema específico de recursos, conferindo uma ampla margem de determinação ao legislador nesta matéria. Nas palavras de Damião da Cunha, («Anotação ao artigo 207.º da Constituição», in Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 92 e 95), o legislador constituinte abordou esta matéria com “timidez” e “cautela”, assumindo o preceito constitucional um «carácter (demasiado) programático», (…) «deixando nas mãos do legislador um grande

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