TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

676 interposto, processado e julgado conjuntamente com o recurso interposto nos termos do art. 518.º. O art. 666.º manteve em 1975 a redação originária. O art. 520.º, por seu turno, estabelecia que o tribunal colectivo proferiria acórdão de harmonia com a decisão do júri e a lei aplicável, “sendo a pena fixada pelo júri, que, para o efeito, deverá reunir”. O júri deixou, porém, de fixar a pena a partir da entrada em vigor da primeira Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (art. 53.º, n.º 2, da Lei n.º 82/77, de 6 dezembro). A Constituição de 1976 consagrou no art. 216.º a existência do júri, “composto pelos juízes do tribunal colec- tivo e por jurados”, estabelecendo, no seu n.º 2, que intervinha “no julgamento dos crimes graves”, funcionando “quando a acusação ou a defesa o requeiram.” (A intervenção de jurados em processo penal obteve consagração constitucional em Espanha – art. 125.º da Constituição de 1978, – muito embora exista grande resistência à sua consagração na legislação ordinária). 10. (…) na vigência da redação dos arts 518.º e 525.º do Código de Processo Penal de 1929 introduzida pelo Decreto-Lei n.º 605/75, considerou-se derrogado o art. 666.º do mesmo diploma “na parte em que estabelecia a regra de que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de recurso, apenas conhecia de matéria de direito, e que, por outro lado, nunca esta derrogação foi questionada pela jurisprudência daquele Tribunal, que apenas divergiu quanto a saber se, para se conhecer da matéria de facto, era, ou não, necessário ter sido interposto especificamente recurso da deliberação do júri” (a fls. 702). Nota o mesmo Magistrado que, no caso concreto, não se coloca esta última questão, visto que “pelo requerimento de fls. 533 foi especificamente interposto recurso da decisão do júri sobre a matéria de facto, e nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 569 a 585), formulam-se específi- cas conclusões sobre a matéria de facto (conclusões 1.ª a 4.ª, a fls. 582 e 583), contrariamente ao que se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de março de 1992” ( ibidem )». Da evolução do texto constitucional relativo aos tribunais de júri na Constituição de 1976 também decorre, no essencial, uma evidente estabilidade quanto ao teor e sentido das normas. Dos trabalhos preparatórios da assembleia constituinte, em 1975, resulta que a instituição do júri se norteou por três vetores, conforme assinala Paulo Dá Mesquita («A dimensão política do júri criminal em Portugal – Nótula histórica e prospetiva», in Processo Penal, Prova e Sistema judiciário, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 205-206): «1 – O princípio de que o júri era uma conquista democrática e um factor essencial de legitimação do poder judicial. 2 – O júri era um corolário do direito do público participar na administração da justiça, e não tanto expressão do direito do arguido ser julgado pelos seus pares. 3 – A necessidade de obstar ao perigo, então apresentado como real, de uma deriva para a justiça popular.» Apesar de a consagração do tribunal de júri significar uma descontinuidade em relação ao Estado Novo, o legislador constituinte não retomou a tradição liberal e republicana, devido à cultura jurídica dominante da época e ao receio da deriva para uma justiça popular (cfr. Paulo Dá Mesquita, «A dimensão política do júri criminal em Portugal…» in ob. cit. , pp. 210-211). Ou seja, nada justifica que se transponha para a Consti- tuição de 1976 a conceção de tribunal de júri como garantia subjetiva do arguido, oriunda das Constituições liberais. A este propósito, é evidente a persistência da opção constitucional no sentido de conferir ao legislador ordinário ampla margem de manobra nesta temática, sem que se descortinem argumentos que consintam a conclusão, segundo a qual, do texto constitucional emergem espartilhos no que tange à admissibilidade, em sede de recurso, do reexame e modificação da decisão da matéria de facto proferida por um tribunal de júri. 11. Como se disse (cfr. n.º 9, supra ), na revisão de 2007, o legislador, passando a prever a plena recorri- bilidade das decisões do tribunal de júri em matéria de facto, para um tribunal integralmente composto por

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