TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

675 acórdão n.º 417/18 criminal, tendo começado a ser objeto de restrições à sua competência no final do século XIX, nomeadamente através da instituição do processo correccional (cfr. Marnoco e Sousa, Direito Político-Poderes do Estado, Coimbra, 1910, págs 778-781; José António Barreiros, Processo Penal, Coimbra, 1981, pág. 258). O júri para ratificação da pronúncia foi estabelecido pela Novíssima Reforma Judiciária (1841), mas em breve caiu em desuso. A Constituição de 1911 estabeleceu no seu art. 58.º a manutenção da instituição do júri, estabelecendo o artigo subsequente que a intervenção deste seria “facultativa às partes em matéria civil e comercial, e obrigatória em matéria criminal quando ao crime caiba pena mais grave do que a prisão correccional e quando os delitos forem de origem ou de carácter político.” (sobre a história destes preceitos na Constituinte, veja-se Marnoco e Sousa, Constituição Política da República Portuguesa – Comentário, Coimbra, 1913, págs. 580-581). 8. No quadro da Constituição de 1911, ainda em vigor nessa parte, o Código de Processo Penal de 1929 consagrou o júri de julgamento para certo tipo de crimes, apesar de a instituição do júri ter sido abolida em 1927 pela Ditadura Militar. Nos termos do art. 39.º desse diploma, os jurados decidiam definitivamente, em matéria de facto, “nos crimes políticos não sujeitos a tribunais especiais e nos demais casos previstos ne lei”. Osório explicava que o advérbio “definitivamente” devia ser entendido cum grano salis , “pois que não só o juiz podia dar o júri por iníquo, art. 514.º, mas a Relação podia conhecer de facto e de direito no segundo julgamento”.( Comentário ao Código de Processo Penal Português, 1.º vol., Coimbra, 1932, pág. 400). A regra geral constante do art. 525.º do diploma era a de que da sentença condenatória ou absolutória cabia apenas recurso restrito à matéria de direito para a Relação e desta para o Supremo, visto que, salvo contadas excepções, a decisão do júri sobre matéria de facto era irrevogável e, além disso, não admitia recurso algum (art. 518.º). A solução de não admitir recurso da decisão do júri sobre matéria de facto entroncava na tradição do processo penal do período liberal (art. 296.º, § 2.º, da Reforma Judiciária de 1837 e art. 1162.º, § 2.º, da Novíssima Reforma Judiciária). Segundo Luís Osório, esta solução de irrevogabilidade e de irrecorribilidade das decisões do júri sobre a matéria de facto seria inerente à própria instituição do júri (Comentário, cit., 1.º vol., pág. 454). Prevendo-se recurso para a Relação das sentenças proferidas pelos tribunais criminais com intervenção do júri no julgamento da matéria de facto, compreendia-se plenamente o teor do art. 666.º deste Código, preceito que estabelecia, na sua parte final, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhecia de matéria de direito, como tribunal de revista. O Decreto com força de lei n.º 20.147, de 1 de agosto de 1931, alterou a redação do art. 665.º do Código de 1929, admitindo um controlo limitado da matéria de facto quanto às decisões finais dos tribunais colectivos e às proferidas em processos com intervenção do júri, pelos tribunais da Relação, “baseando-se para isso (...) nos documentos, respostas aos quesitos e em quaisquer outros elementos constantes dos autos”. Luís Osório criticava a alteração de 1931, no que toca aos julgamentos com intervenção de júri ou de tribunal colectivo, afirmando que, se não havia confiança nos tribunais colectivos, deveriam os mesmos ser modificados ou suspensos e que, se se quisesse manter o recurso sobre matéria de facto, deveriam escrever-se os depoimentos e deveria acabar-se com a oralidade ou, pelo menos, exigir-se a reprodução oral da prova no segundo julgamento ( Comentário , 6.º vol., Coimbra, 1934, pág. 375). A instituição do júri veio a cair em completo desuso a partir da entrada em vigor do Estatuto Judiciário de 1944. 9. Após a Revolução de 1974, o Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de novembro, restabeleceu o júri para o julga- mento dos crimes mais graves, considerando que tal medida se inseria na exigência de dignificação do processo penal em todas as suas fases consagrada no Programa das Forças Armadas, sendo um “postulado da ordem demo- crática instaurada pelo Movimento das Forças Armadas”. O art. 518.º do Código de Processo Penal, na redação dada por aquele diploma, estabeleceu que “da decisão do júri sobre matéria de facto cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas com base em qualquer dos fundamentos a que se referem os n. os . 1.º e 2.º do artigo 712.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações” (1.º inciso). Passou, pois, a prever-se um recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça sobre a decisão da matéria de facto, ao mesmo tempo que o art. 525.º, na sua nova redação, admitiu um outro recurso, restrito à matéria de direito, do acórdão do tribunal colectivo condenatório ou absolutório, também a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo este recurso

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