TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
674 «A Revisão de 1997, para além de ter estendido a proibição do legislador prever a intervenção do tribunal do júri na criminalidade altamente organizada, introduziu a expressão “nos casos e com a composição que a lei fixar”, em substituição da frase “é composto pelos juízes do tribunal colectivo e por jurados”, e onde constava “quando a acusação ou a defesa o requeiram”, passou a dizer-se “designadamente quando a acusação ou a defesa o requeiram”. Se da leitura dos trabalhos preparatórios (vide o Diário da Assembleia da República , IV Revisão Constitucional, 7.ª Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, n.º 49, de 07-11-1996, pág. 1527 e seg.) ressalta, com nitidez, que esta alte- ração visou, por um lado, pôr fim à rigidez imposta na composição do tribunal do júri e à confusão entre tribunal colectivo e tribunal do júri que a anterior redação provocava (vide, neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa anotada , vol. II, pág. 537, da 4.ª ed., da Coimbra Editora) e, por outro lado, conferir liberdade ao legislador ordinário para prever situações de funcionamento obrigatório do tribunal do júri (vide, neste sentido, Damião da Cunha, em Constituição Portuguesa anotada , de Jorge Miranda/Rui Medeiros, tomo III, pág. 94, da ed. de 2007, da Coimbra Editora), no que respeita à delimitação dos casos de intervenção do tribunal do júri, a nova redação do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição, veio dificultar a compreensão do seu sentido. Embora não se conheça nenhuma declaração de intenção prévia com esse objectivo, o que é certo é que a redação do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição, após a Revisão de 1997, possibilita a interpretação de que também foi conferida liberdade ao julgador de, entre os crimes graves, escolher aqueles em que não é admissível a interven- ção de tribunal do júri (vide, neste sentido, Damião da Cunha, na ob. e loc. cit. ). Com estas leituras, o legislador ordinário, além de poder conformar livremente a composição do tribunal do júri, ganhou igualmente a liberdade de determinar a sua constituição obrigatória e de, seguindo critérios de razoa- bilidade, seleccionar entre os crimes graves quais os que permitem a intervenção do tribunal do júri, ficando-lhe apenas vedada a possibilidade de prever a possibilidade dessa intervenção nos crimes de pequena gravidade e nos de terrorismo e de criminalidade altamente organizada. Assim sendo, com excepção do aditamento de uma nova categoria de crimes em que é vedado ao legislador ordinário prever a intervenção do tribunal do júri – os de criminalidade altamente organizada – a Revisão de 1997, neste domínio, orientou-se no sentido de acentuar a entrega ao legislador ordinário da tarefa de definição da importância e do figurino desta forma de participação popular na Administração da Justiça». A Constituição de 1976 recuperou a instituição do tribunal de júri, após o silêncio da Constituição de 1933, mas fê-lo de forma muito limitada em relação ao alcance que o tribunal de júri tinha conhecido nas Constituições oitocentistas e na Constituição republicana de 1911. Isso mesmo foi sublinhado no Acórdão n.º 261/94 do Tribunal Constitucional, onde se refere que, ape- sar de nas Constituições liberais o tribunal de júri ser concebido como uma garantia do arguido julgado em processo penal, tal conceção não é aquela que foi consagrada na Constituição de 1976: «7. – A instituição do júri de julgamento tem origens remotas, sendo conhecida na França medieval e tendo sido introduzida em Inglaterra pelos Normandos, muito embora a tradição saxónica conhecesse a intervenção de leigos na justiça. Na história constitucional inglesa, a utilização do júri na fase de acusação ( grand jury ) e na fase de julgamento criminal ( petty ou trial jury ) constituiu desde tempos remotos uma importante garantia dos direitos do acusado. O artigo III da Constituição norte-americana e os quinto e sexto Aditamentos à mesma Constituição aprovados em 1791 consagraram a existência de júris de acusação e de julgamento como garantia dos cidadãos (cfr. Paul D. Carringtom, voc. Trial By Jury, in L. Levy, K. Karst e D. Madroney, Encyclopedia of the American Consti- tution, vol. 4.º, Now York e Londres 1986, págs 1913-1920). Em 1791, a França instituiu igualmente os júris de acusação e de julgamento (Lei de 16-21 de setembro de 1791), tendo o Código de Instrução Criminal de Napoleão suprimido o primeiro daqueles júris. Entre nós e após a revolução de 1820, o júri de julgamento veio a ser previsto na Constituição de 1822 (arts. 177.º e 178.º) e nas constituições subsequentes, e consagrado como garantia individual nas leis de processo
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=