TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
673 acórdão n.º 417/18 Miranda/Rui Medeiros, Constituição portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 95; e Paulo Dá Mesquita, «A dimensão política do júri criminal em Portugal – nótula histórica e prospec- tiva», in Processo penal, Prova e Sistema Judiciário, Coimbra Editora, 2010, pp. 208 e seguintes). A essas críticas, que se inserem num debate sobre a solução legislativa mais adequada, juntou-se, mais recentemente, a crítica de constitucionalidade, por lesão do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição, formulada por Maria João Antunes, Nuno Brandão, Sónia Fidalgo e Ana Pais, «Garantia constitucional de julgamento pelo júri e recurso de apelação», in Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 145.º, n.º 3999, julho-agosto 2016, pp. 316-329, posição que teve acolhimento na fundamentação da decisão agora recorrida. 10. Importa confrontar a interpretação normativa impugnada com o parâmetro constitucional invo- cado, isto é, o artigo 207.º, n.º 1, da Constituição: «1. O júri, nos casos e com a composição que a lei fixar, intervém no julgamento dos crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada, designadamente quando a acusação ou defesa o requeiram». Este preceito consagra uma garantia limitada e mínima da intervenção do júri no julgamento de crimes graves. Na verdade, com exceção da necessidade de o legislador infraconstitucional acolher a previsão legal de intervenção do tribunal de júri no julgamento de crimes graves, tudo o mais, como seja, designadamente, a definição da composição do júri, o modo de exercício efetivo de funções e a reversibilidade ou modifica- bilidade das suas decisões, insere-se, em face da abertura da norma constitucional, na margem de liberdade de conformação do legislador ordinário. Mesmo os casos de julgamento com intervenção do júri não são obrigatórios, mas aqueles que a lei fixar, ressalvando-se que, no mínimo, e desde que legalmente admissível, tal sucederá a requerimento da acusação ou da defesa. Nesse sentido se pronunciou já o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 460/11, onde, a propósito dos crimes abrangidos pela norma introduzida pela Revisão constitucional de 1997, se afirmou o seguinte: «Finalmente, com a revisão de 1997, foi dada a actual redação ao agora artigo 207.º, n.º 1, onde se lê que “o júri, nos casos e com a composição que a lei fixar, intervém no julgamento dos crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada, designadamente quando a acusação ou a defesa o requeiram”. Relativamente aos casos de intervenção do tribunal do júri, verifica-se que anteriormente à Revisão operada em 1997, o seu âmbito de previsão foi sempre restrito ao julgamento em processo penal dos crimes graves, tendo ainda a revisão de 1989 excepcionado os crimes de terrorismo. Ao estabelecer um critério de definição de competência aberto – “julgamento dos crimes graves” – a Consti- tuição sempre conferiu ao legislador uma ampla liberdade para este indicar quais os crimes que considerava assu- mirem uma gravidade que justificava a possibilidade de serem julgados por um tribunal do júri, a requerimento da defesa ou da acusação. O único limite à liberdade do legislador ordinário definir em processo penal quais eram os casos em que um tribunal do júri podia ser chamado a intervir, além dos crimes de terrorismo, era apenas o da gravidade do crime a julgar. Por isso, o legislador ordinário, para além dos crimes de terrorismo, não podia prever um tribunal do júri para julgar crimes manifestamente sem gravidade, assim como não podia deixar de facultar à acusação e à defesa a possibilidade de requererem a sua intervenção no julgamento dos crimes em que o grau de gravidade era inequi- vocamente elevado». Prossegue o mesmo Acórdão, deixando claro que a constituição do tribunal de júri não é obrigatória, mas dependente de requerimento da acusação ou da defesa, remetendo, quer a sua eventual obrigatoriedade, quer os seus requisitos, importância e forma, para a lei ordinária.
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