TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
67 acórdão n.º 242/18 Ou seja, para salvaguardar a universalidade do direito à proteção jurídica, é necessário que os critérios em causa sejam adequados e não inviabilizem a possibilidade de uma apreciação concreta da situação de insu- ficiência económica invocada por cada sujeito. Na verdade, gozando a categoria de sujeitos correspondente às pessoas coletivas com fins lucrativos do direito fundamental a litigar em juízo, esse direito não pode ser denegado de plano e abstraindo da eventual situação de insuficiência de meios económicos. Esse é um limite inultrapassável imposto ao legislador na modelação do apoio judiciário. Como se referiu no Acórdão n.º 279/09, se tais pessoas coletivas com fins lucrativos «podem encontrar- -se numa situação de insuficiência económica que não lhes permita suportar pontualmente os custos de um processo, incluindo o pagamento da compensação devida ao patrono», a sua exclusão do direito conferido pela parte final do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição tem como consequência que as mesmas fiquem em posição de «não conseguir defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos em virtude de não poderem beneficiar da concessão do direito a proteção jurídica» (vide ibidem ). Acresce não ser exato que uma pessoa coletiva com fins lucrativos cuja situação económica não permite custear as despesas de justiça esteja necessariamente insolvente. Diferentemente, pode uma pessoa coletiva estar «em situação económica difícil, sem apresentar propriamente um passivo muito relevante ou mesmo sequer algum passivo conducente à declaração de insolvência, mas, contudo, necessitar da concessão de apoio judiciário para efetivar e executar os seus créditos sobre os seus devedores» (Acórdão n.º 279/09). E, de todo o modo, caso estejam mesmo insolventes, nada justifica o seu afastamento da proteção jurídica, porquanto «todas as pessoas singulares, quer sejam ou não titulares de empresas, estão sob a incidência do regime da insolvência e não se mostram, por isso, genericamente excluídas da proteção jurídica» (vide ibidem ). Ora, a norma do artigo 7.º, n.º 3, da LADT, conforme mencionado, limita-se a proibir a concessão de proteção jurídica a toda uma categoria de sujeitos, abstraindo, portanto, da sua situação concreta. Na ótica do legislador, o direito à proteção jurídica em causa não é compatível com a natureza das pessoas coletivas com fins lucrativos. Como afirmou o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 279/09, «comportando o apoio judiciário várias componentes, o que merece censura constitu- cional é a denegação de todas elas às sociedades comerciais, a absoluta postergação do direito à proteção jurí- dica, de plano, em todas as suas modalidades e seja qual for o circunstancialismo, atinente, designadamente, ao objeto do processo». Tais sujeitos são, deste modo, e por razões exclusivamente atinentes à sua própria natureza jurídica, excluídos do âmbito de proteção do segmento final do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. 15. No Acórdão n.º 216/10, sustentou-se, precisamente, que as pessoas coletivas com fins lucrativos não são titulares do direito à proteção jurídica consagrado no artigo 20.º, n.º 1, in fine , da Constituição, uma vez que as mesmas são estruturalmente distintas dos demais sujeitos de direito. Este entendimento baseou-se, em primeiro lugar, na ideia de que tal direito irradia «do valor que é conferido à dignidade da pessoa humana. O acesso ao direito e à justiça é, aliás, um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem» (Acórdão n.º 216/10). No fundo, como especialmente decorre dos Acórdãos n. os 548/11, 41/12 e 58/12, defendeu-se não resultar das normas da CEDH – mormente do respetivo artigo 6.º (nem, tão-pouco, do artigo 10.º da citada Declaração) – uma imposição de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos ( maxime às sociedades comerciais): no primeiro aresto, entendeu o Tribunal Constitucional que da jurisprudência do TEDH «não resulta consagrado qualquer entendimento com atinência específica à questão de inconstitucio- nalidade [então em causa] que impusesse diferente conclusão decisória»; nos outros dois, defendeu-se que «a afirmação de princípio de que toda a pessoa tem direito a um tribunal, independente e imparcial, “estabele- cido pela lei”, constante do invocado artigo 6.º da CEDH, assenta e projeta o seu âmbito primordial de ação tutelar na dignidade da pessoa humana, sendo legítimo que a lei, na margem de conformação normativa que lhe é expressamente reconhecida pela Convenção, regule a essa luz os termos e pressupostos de que depende a concessão de proteção jurídica às pessoas coletivas». Nessa medida, baseando-se aquele cânone apenas na tutela de pessoas singulares, entendeu-se não se retirar de tal padrão uma proteção das pessoas coletivas,
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