TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

668 pretendido que as decisões do tribunal do júri em matéria de facto sejam insusceptíveis de modificação por parte de um tribunal superior constituído, exclusivamente, por juízes profissionais ou, numa outra dimensão, que tenha instituído um órgão jurisdicional cuja natureza imponha que seja sempre sua a última palavra sobre a matéria de facto. 17. Ou seja, não é possível extrair da mera consagração constitucional da instituição do júri – o júri da Cons- tituição da República Portuguesa de 1976 e não o júri da Carta Constitucional ou o da Constituição de 1911 ou mesmo, noutra vertente, o júri originalmente surgido em Inglaterra ou o criado em França em 1791 – quaisquer qualidades ou características que resultem, apriorística e ontologicamente, da natureza intrínseca do instituto, não só porque tais traços identificativos não foram queridos pelos constituintes mas, igualmente, porque esses traços não têm assento em qualquer fonte de direito constitucional positivo. 18. Qual será, então, a razão da consagração constitucional do júri e qual o alcance jurídico dessa consagração? 19. A resposta, encontramo-la na alínea c) , do artigo 9.º, da Constituição da República Portuguesa, na qual se revelam como tarefas fundamentais do Estado, para além do mais, o “assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais”, participação que fica assegurada, no que à admi- nistração da justiça respeita, com a consagração da intervenção dos cidadãos na composição do tribunal do júri – tribunal, presentemente, de composição mista: 4 juízes leigos e 3 juízes profissionais – ainda que sem a prerrogativa da última palavra quanto à decisão da matéria de facto. 20. Em síntese, o que se discute no presente processo é se a solução agora desenhada pelo legislador ordinário de acolhimento mitigado da participação popular no exercício de tarefas soberanas viola o disposto no texto do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 21. Ora, a esta pergunta, não podemos deixar de responder negativamente. 22. Assim, atento o explanado, perante a interpretação normativa do disposto, conjugadamente, nos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b) , do Código de Processo Penal, acolhida pela douta decisão impugnada, impõe-se- -nos sustentar a sua não inconstitucionalidade material, por suposta violação do disposto no artigo 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 23. Por força do exposto, deverá ser tomada decisão no sentido de não julgar inconstitucional a interpretação normativa do disposto, conjugadamente, nos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b) , do Código de Processo Penal, enquanto permite ao tribunal da relação a modificação da decisão do tribunal do júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do mesmo código, concedendo-se, assim, provimento ao presente recurso. Nos termos do acabado de explanar, deverá o Tribunal Constitucional conceder provimento ao presente recurso, assim fazendo a costumada Justiça.” 6. O assistente, aqui recorrente, apresentou alegações, concluindo, na esteira do Ministério Público, que a interpretação normativa, que a decisão recorrida recusou aplicar, não padecia de qualquer inconstitu- cionalidade, pelo que o recurso deveria ser procedente e a decisão reformada em consonância. Para o efeito, sintetizou, como segue, em sede de conclusões de recurso (fls. 2238 a 2243 verso): «Conclusões I – O ora recorrente não pode conformar-se com o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em que as disposições conjugadas dos Arts. 427.º, 428.º e 431.º, al. b) , do Código de Processo Penal, inter- pretadas no sentido de a Relação poder conhecer amplamente em matéria de facto, alterando a decisão do Tribunal de Júri nessa matéria, fora do âmbito de aplicação do Art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, são inconstitucionais, por as mesmas violarem a norma do Art. 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. II – Assim, este recurso é interposto da decisão de recusa de aplicação, por inconstitucionalidade das disposi- ções conjugadas dos Arts. 417.º, 428.º e 431.º, al. b) , do Código de Processo Penal enquanto permitem

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