TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

66 Deste modo, se quanto aos direitos fundamentais compatíveis, há que ter em conta o princípio da espe- cialidade (segundo o qual pessoas coletivas só têm capacidade de gozo dos direitos necessários ou convenien- tes aos seus fins – cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 118), surge claro que a litigância judicial constitui uma competência necessária para o exercício da atividade daquele leque de sujeitos. 14. Sucede que, como mencionado, o artigo 7.º, n.º 3, da LADT, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, retira a tal categoria de sujeitos uma das dimensões essenciais do direito de acesso aos tribunais para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos: o direito à proteção jurídica em caso de insuficiência económica. Com base numa consideração puramente estatutária ou categorial – as pessoas coletivas com fins lucrativos (e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada) não podem ter uma insuficiência económica que os impeça de aceder à justiça, uma vez que, pela sua própria natureza, devem encontrar-se dotadas de uma estrutura organizativa e financeira capaz de fazer face aos custos previsíveis da sua atividade, incluindo os que resultem da litigiosidade –, o legislador impede qualquer avaliação casuística, excluindo, desse modo, à partida, e de plano, a proteção jurídica necessária para que um sujeito integrado em tal cate- goria e realmente carecido de apoio aceda ao tribunal. Consequentemente, a referida dimensão da garantia fundamental de acesso ao direito e aos tribunais que proscreve a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos não é aplicável a todos os sujeitos de direito, deixando, portanto, de ser universal (cfr. o artigo 12.º da Constituição). Na verdade, a norma em apreço nega a toda uma categoria de sujeitos o direito fundamental à proteção jurídica para efeitos de garantia do acesso aos tribunais, tornando possível que a justiça lhes seja denegada por insuficiência de meios económicos. Para que a mesma norma seja aplicada, releva exclusivamente a natureza jurídica de tais sujeitos, e não a sua eventual e concreta situação de insuficiência económica aferida por critérios adequados para o efeito e comparáveis com os que são aplicados às demais pessoas, singulares ou coletivas. Apesar de a Constituição afirmar que a todos deve ser garantido o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, o artigo 7.º, n.º 3, da LADT determina que tal garantia não se aplica certas categorias de sujeitos, nomeadamente às pessoas coletivas com fins lucrativos, independentemente de qualquer pon- deração da situação concreta de cada um desses sujeitos. Apenas com base na respetiva natureza jurídica, o legislador ordinário exclui certas categorias de sujeitos de uma garantia que a Constituição pretende univer- sal. A contradição valorativa é flagrante. E, nesse mesmo sentido, concluem Jorge Miranda e Rui Medeiros: «O direito à proteção jurídica é compatível com a natureza das pessoas coletivas e, nessa medida, também lhes é aplicável. [D]eve entender-se que uma normação que vede, em termos genéricos e absolutos, a concessão de patrocínio judiciário gratuito às sociedades (e aos próprios comerciantes em nome individual e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada) que provem que o valor das custas é consideravelmente superior às suas possibilidades económicas contraria a universalidade do direito de acesso aos tribunais […].» (v. Autores cits., Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. IX ao artigo 20.º, p. 433) Decerto que não é exigível neste domínio um tratamento que pura e simplesmente abstraia de todas as diferenças existentes entre os diversos tipos de sujeitos jurídicos nem da relevância que para os mesmos tem a concessão de proteção jurídica enquanto dimensão do direito de acesso aos tribunais e, portanto, como garantia da efetividade da tutela jurisdicional. Impõe-se, todavia, que a projeção de tais diferenças sobre os critérios de concessão da proteção em apreço não se faça de tal modo que a impeça em absoluto ou de modo desproporcionado.

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