TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
650 específico procedimento contraordenacional em que se inscreve a norma sindicada, a sanção aplicada possa ser imediatamente executada, independentemente da impugnação em juízo da decisão que a aplicou. Trata-se, pois, de um domínio em que, à semelhança daquilo que o Tribunal Constitucional afirmou já quanto à criação de novos tipos de contraordenações e da fixação de molduras contraordenacionais, a com- petência do Governo se encontra circunscrita à criação de regimes processuais especiais que se encontrem em conformidade com o regime geral, não lhe competindo a fixação de normas adjetivas que, contendendo com aspetos estruturantes do regime geral, dele se apartem radicalmente. Neste sentido, não será por acaso que os demais desvios de idêntico sentido à regra estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 408.º do CPP, subsidiariamente aplicável ao processo contraordenacional por força dos artigos 44.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do RGCO, constem, conforme se viu já, de lei formal, o que sucede não apenas com o Regulamento Sancionatório do Setor Energético e com Novo Regime Jurídico da Concorrên- cia, como ainda – poderia acrescentar-se – com o Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (cfr. artigo 35.º). Do mesmo modo, também no que ao Código da Estrada concerne (cfr. artigos 186.º e 187.º), verifica-se que, quando o Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, alterou para meramente devolutivo o efeito-regra do recurso, fê-lo ao abrigo de lei de autorização legislativa (designadamente, a Lei n.º 53/2004, de 4 de novembro) que habilitava expressamente o Governo a produzir essa alteração [cfr. alínea cc) ]. Posteriormente, o legislador voltou a reintroduzir a regra-geral do efeito suspensivo, alteração que foi introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro. Por último, cabe notar que, mesmo para quem entenda não ser inteiramente claro que o regime relativo ao efeito do recurso judicial das decisões administrativas sancionatórias constitua matéria sob reserva relativa de competência da Assembleia da República nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a conclusão a que se chegou sempre encontraria suficiente apoio no entendimento, sufragado já na jurisprudência deste Tribunal, segundo o qual, «na interpretação das normas constitucionais de com- petência legislativa do Parlamento deve preferir-se, se não uma interpretação extensiva, pelo menos uma interpretação não restritiva (Neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, p. 518). Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada , 3.º edição, p. 663) “as dificuldades interpretativas em torno do âmbito de normas de competência devem solucionar-se recorrendo ao principio da conformidade funcional, completado pelo princípio da pre- minência legislativa da AR, como consequência do princípio da representação democrática”, preferindo-se nos casos de fronteira “o sentido mais favorável à reserva parlamentar de lei, por ser a mais conforme com a função constitucional da AR e com o primado da sua competência legislativa”» (Acórdão n.º 22/09). 11. A inversão da regra-geral do efeito da impugnação judicial de decisões administrativas sancionató- rias consubstancia uma alteração de um elemento basilar do regime geral aplicável ao processo contraorde- nacional e não uma mera reconformação de aspetos secundários ou contingenciais do mesmo, os quais, esses sim, se encontram ao alcance da competência legislativa do Governo. Quer isto significar que, por força da reserva relativa de competência imposta pela alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, somente a Assembleia da República ou excecionalmente o Governo, se munido de autorização parlamentar, se encontram constitucionalmente habilitados a criar uma norma com o conteúdo ínsito no n.º 5 do artigo 67.º dos EERS. Perscrutada a Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, constata-se, todavia, inexistir tal habilitação, não se divi- sando aí qualquer autorização, por mais genérica que seja, que delegue no Governo a necessária competência para inverter a regra do efeito devolutivo que integra o regime geral. Note-se, por último, que a competência própria do Governo para legislar em matéria contraordenacio- nal, assim como a obrigatoriedade de o fazer respeitando o RGCO, abrange todo o regime, aí se incluindo, naturalmente, as normas de natureza processual, incluindo aquelas que regulam o processo na sua fase admi- nistrativa.
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