TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
649 acórdão n.º 394/18 se segue, todavia, que tal aspeto do processo contraordenacional – mais concretamente, o efeito suspensivo- -regra – não integre a disciplina que compõe aquele regime geral. Com efeito, ainda que a remissão constante do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO – de acordo com a qual «sempre que o contrário não resulte [do referido] diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os precei- tos reguladores do processo criminal – não constituísse base suficiente para ter por certo que o efeito suspen- sivo da impugnação judicial da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa se encontraria em qualquer caso assegurado, enquanto elemento conformador do regime geral aplicável ao processo con- traordenacional, pela previsão constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 408.º do Código de Processo Penal (doravante «CPP») – de acordo com a qual «[t]êm efeito suspensivo do processo [o]s recursos interpostos de decisões finais condenatórias» –, o certo é que o próprio RGCO, apesar de não conter nenhum preceito que estabeleça diretamente o efeito suspensivo-regra da impugnação judicial de decisão administrativa san- cionatória, não deixa de o pressupor. De facto, outro não pode ser o sentido da previsão, quer da alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º do RGCO – de acordo com a qual «[a] condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada» –, quer ainda da alínea a) do respetivo n.º 3 – segundo a qual a decisão sancionatória proferida pela autoridade administrativa deverá conter «[a] ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão». De qualquer uma das referidas disposições ¾ e, mais acentuadamente ainda, da concatenação de ambas – resulta, assim, que o efeito associado à impugnação judicial da decisão administrativa é, por força do pró- prio RGCO, em regra suspensivo. 10. Tendo-se concluído que a regra do efeito suspensivo do recurso se inclui no conteúdo material do RGCO – desde logo por constituir, conforme se viu, pressuposto necessário de certas das disposições conti- das naquele Regime –, importa verificar em seguida se tal particular aspeto do processo contraordenacional integra a reserva relativa de competência da Assembleia da República fixada na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Segundo resulta da jurisprudência deste Tribunal, o domínio da reserva relativa de competência estabe- lecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição abrange, em matéria de trâmites processuais, as “grandes normas adjetivas” do processo contraordenacional (cfr. Acórdãos n.º 56/84 e n.º 62/03). Assim, aquilo que importa aqui, no essencial, determinar é se o regime relativo ao efeito do recurso judicial constitui um elemento integrante daquele núcleo cuja definição, por consubstanciar as grandes nor- mas adjetivas do processo contraordenacional, integra a competência exclusiva da Assembleia da República. A resposta não pode deixar de ser afirmativa. Com efeito, sem prejuízo do vasto espetro de possibilidades deixadas à livre conformação governamen- tal no âmbito da definição das “regras secundárias” do processo contraordenacional, é dado assente que as opções político-legislativas fundamentais subjacentes à definição da disciplina básica do regime jurídico aplicável àquele ramo do direito sancionatório não podem deixar de compreender as regras relativas ao regime recursório das decisões administrativas sancionatórias, regras essas que, dependendo do sentido em que vierem a ser conformadas, se projetarão (ou poderão projetar-se) desvantajosamente sobre várias normas de direitos fundamentais. Ora, a norma que fixa o tipo de efeito do recurso, ao interferir diretamente com modelação do processo respeitante à eficácia da impugnação judicial das decisões administrativas sancionatórias, consubstancia uma opção suficientemente estruturante e central do modelo de justiça contraordenacional para que não possa ter sido deixada à competência concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República. Quando a Constituição estabeleceu a exclusividade da competência do Parlamento para estabelecer o regime geral das contraordenações “e o respetivo processo”, pretendeu assegurar que só a Assembleia definiria as garantias processuais do arguido naquele domínio sancionatório. Por esta razão, não cabe ao Governo, salvo se devidamente autorizado para o efeito, tomar uma opção político-legislativa que, tornando meramente devolutivo o efeito suspensivo-regra da impugnação judicial, permite que, no âmbito daquele
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