TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

648 Em concreto, haverá que apurar se a reserva de competência abrange somente a disciplina do diploma geral – escapando-lhe, assim, a regulação dos processos contraordenacionais especiais – ou se as normas pro- cessuais contraordenacionais especiais (como as que estabelecem os efeitos à interposição de recurso) apenas são deixadas à competência concorrente do Governo e da Assembleia da República na estrita medida em que não divirjam do regime geral. A resposta a tal questão não suscita, hoje, particulares hesitações: quando a Constituição reserva ao Parlamento apenas o regime geral – conforme decorre da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição –, não apenas está a permitir a existência de «regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo» (cfr. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. II, 4.ª edição, Coim- bra: Coimbra Editora, 2010, p. 325), como a colocar fora da reserva relativa da Assembleia da República a definição da concreta entidade administrativa à qual é cometida, em cada domínio, a competência para sancionar ilícitos contraordenacionais (cfr. Acórdão n.º 237/03). Ora, é justamente nesta ordem de ideias que o Tribunal Constitucional vem afirmando que o domínio de reserva da competência legislativa parlamentar é o da definição da natureza do litígio, do tipo de san- ções e seus limites máximo e mínimo, bem como das regras gerais do processo (por exemplo, cfr. Acórdãos n. os  74/95 e 175/97), deixando-se à competência concorrente do Governo a definição de cada infração e a cominação da sanção respetiva. A criação de novos tipos de ilícito contraordenacional encontra-se suportada pela competência concorrencial do Governo, não transgredindo, portanto, em si mesma, a reserva de com- petência parlamentar (cfr. Acórdãos n. os  56/84, 158/92, 578/09, 374/13). Sintetizando tal orientação, prevalecente na jurisprudência constitucional em matéria de competência legislativa do Governo no domínio contraordenacional, escreveu-se no Acórdão n.º 274/12 o seguinte: “Conforme dispõe o artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição, inclui-se na reserva legislativa parlamentar, a definição do regime geral dos atos ilícitos de mera ordenação social. Relativamente a esta questão, o Tribunal Constitucional tem firmado jurisprudência no sentido de que apenas é matéria de competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respetivo processo, ou seja, sobre a definição da natureza do ilícito contraordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às contraordenações, a fixação dos limites das coimas e a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Assim, dentro dos limites do regime geral, pode o Governo, no exercício da sua competência legislativa concor- rente, criar contraordenações novas e estabelecer a correspondente punição, modificar ou eliminar contraorde- nações já existentes e moldar regras secundárias do processo contraordenacional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os  56/84, 158/92, 269/87, 345/87, 412/87, 175/97, 236/03 e 578/09, acessíveis na Internet, como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, e m www.tribunalconstitucional.pt ) ”. 9. O conjunto das disposições legais que integra o Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro («RGCO»), não regula expressamente, pelo menos de forma exauriente, todos os aspetos relativos à disciplina aplicável ao processo contraordenacional. Por força das normas remissivas constantes do artigo 41.º do RGCO, são, nos termos aí previstos, subsidiariamente aplicáveis, quer à fase administrativa, quer à fase judicial do processo contraordenacio- nal, as normas de direito processual penal (neste sentido, por exemplo, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime-Geral das Contraordenações, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2011, p. 150; por todos, sobre o funcionamento da norma remissiva, cfr. Frederico Costa Pinto, “Acesso de particulares a processos de contraordenação arquivados – Um estudo sobre o sentido e os limites da aplicação subsidiária do Direito Processual Penal ao processo de contraordenação”, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Vol. II, Coimbra: Almedina, 2002, pp. 616 e seguintes). Apesar de o RGCO não estabelecer, através de norma expressa, o tipo de efeito – se devolutivo ou suspensivo – a atribuir às impugnações judiciais de decisões administrativas que apliquem coimas, daí não

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