TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
647 acórdão n.º 394/18 Para assim concluir, o Tribunal considerou que a norma em causa, ao estabelecer, por regra, o efeito devolutivo da impugnação judicial, sujeitando a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo à prestação de caução e à verificação de um prejuízo considerável para o arguido sancionado, tem uma natureza restri- tiva de direitos, liberdades e garantias, na medida em que se projeta desvantajosamente sobre o princípio da presunção de inocência, constante do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. Depois de reafirmar o entendimento segundo o qual o princípio da presunção de inocência tem apli- cação do domínio do direito contraordenacional (cfr. Acórdão n.º 674/16; na doutrina, entre outros, cfr. Augusto Silva Dias, Direito das Contraordenações , Coimbra: Almedina, 2018, pp. 193 segs.), o Tribunal con- cluiu, no aludido aresto, que o estabelecimento do efeito devolutivo como regra e a subordinação do efeito suspensivo do recurso à prestação de caução, associada à verificação de um prejuízo considerável, consubs- tancia uma compressão daquele princípio e, consequentemente, que a norma em apreciação, justamente por representar a restrição de uma garantia jusfundamental, dispõe sob matéria incluída no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não podendo ser por essa razão editada através de Decreto-Lei governamental não precedido de autorização parlamentar suficiente. A razão pela qual o Acórdão n.º 728/17, ao invés do que sucedeu com os Acórdãos n.º 674/16 e n.º 675/16, se centrou na apreciação da constitucionalidade, não material mas orgânica, de uma solução normativa em tudo idêntica a qualquer uma daquelas que ali foram julgadas é facilmente explicável: uma vez que, tanto o Regulamento Sancionatório do Setor Energético, como o Novo Regime Jurídico da Concorrên- cia, foram aprovados por leis emanadas da Assembleia da República – respetivamente, pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, e Lei n.º 19/2012, de 8 de maio –, o Tribunal não se confrontou, nos julgamentos reali- zados através dos Acórdãos n. os 674/16 e 675/16, com quaisquer dúvidas de constitucionalidade orgânica. Já o juízo a formular no âmbito dos presentes autos, tendo por objeto a norma do n.º 5 do artigo 67.º dos EERS – integrada, conforme referido já, em Decreto-Lei governamental não precedido de autorização parlamentar suficiente –, não dispensa a prévia apreciação da validade orgânica da norma sindicada, apre- ciação essa cujo resultado não poderá deixar de passar pela reiteração da orientação firmada no Acórdão n.º 728/17, de acordo com a qual a norma constante do n.º 5 do artigo 67.º do EERS, com o sentido enunciado na decisão recorrida, é organicamente inconstitucional por violação do regime de competência reservada da Assembleia da República, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 7. Este não é, porém, o único fundamento para a inconstitucionalidade orgânica que atinge a norma sub judice . Conforme do respetivo texto resulta, o Decreto-Lei n.º 126/2014, que aprovou os EERS, foi editado ao abrigo do disposto no artigo 3.º da Lei n.º 67/2013 e sob invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, que atribuiu ao Governo, no exercício de funções legislativas, competência para «[f ]azer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República». Ao estabelecer o efeito da impugnação judicial da decisão administrativa que aplica a coima, a norma sindicada inscreve-se no âmbito da modelação do processo contraordenacional instaurável em resultado das atribuições cometidas à Entidade Reguladora da Saúde, razão pela qual se deverá ponderar ainda a convocação, no presente caso, da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, segundo a qual é da exclusiva competên- cia da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o “[r]egime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo”. Aplicação que, a confirmar-se, permitiria divisar um segundo fundamento de inconstitucionalidade orgânica. Vejamos então. 8. Estando em causa a amplitude da autonomia legislativa do Governo no domínio contraordenacional, a questão a que cumpre responder, em face da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, consiste em determinar o âmbito do regime geral sujeito à reserva relativa da Assembleia da República.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=