TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

646 suspensivo do recurso à prestação de caução e à verificação de um prejuízo considerável para o recorrente em virtude da execução imediata da decisão, considerando-as contrárias ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, constante do artigo 20.º da Constituição, em articulação com o princípio da proporcionalidade, bem como ao princípio da presunção de inocência em processo contraordenacional, decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição. É deste juízo de inconstitucionalidade que, por referência agora à norma sindicada, se afasta o Ministé- rio Público nas suas alegações, louvando-se para o efeito do essencial da argumentação seguida no Acórdão n.º 376/16, aresto no qual, através do juízo que viria a obter vencimento no Acórdão n.º 123/18, tirado em Plenário, se pronunciou este Tribunal pela não inconstitucionalidade da solução homóloga consagrada nos n. os  4 e 5 do artigo 46.º do Regime Sancionatório do Setor Energético, aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, por nela não ter surpreendido qualquer violação constitucionalmente censurável do direito de acesso ao direito ou do princípio da presunção de inocência. Apesar de, tanto no requerimento de interposição de recurso, como nas alegações que subsequente- mente produziu, o Ministério Público não se ter desviado do âmbito problemático em que o tribunal a quo sedeou a questão da conformidade constitucional da norma sindicada, limitando-se a contraditar o juízo subjacente à recusa de aplicação formulado na decisão recorrida, o certo é que, de acordo com o disposto no artigo 79.º-C da LTC, este Tribunal apenas se encontra cingido, do ponto de vista dos poderes de cognição, à norma cuja aplicação foi efetivamente afastada, e não também às normas ou princípios constitucionais em cuja violação tal afastamento concretamente se baseou. Nessa medida, nenhum obstáculo existe a que se comece por apreciar a constitucionalidade orgânica da norma que integra o objeto do presente recurso, tendo em conta a reserva de competência legislativa parla- mentar estabelecida nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição Portuguesa. 6. Conforme notado já, a questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos tem como objeto o regime constante do n.º 5 do artigo 67.º dos EERS, de acordo com o qual o recurso judicial das decisões da Entidade Reguladora da Saúde que apliquem coimas ou outras sanções tem, como regra, efeito meramente devolutivo, apenas excecionalmente se admitindo a atribuição de efeito suspensivo, mediante o preenchi- mento de dois pressupostos cumulativos: a prestação de caução em substituição da coima aplicada e a ale- gação e demonstração da existência de um prejuízo considerável para o impugnante decorrente da imediata execução da decisão. Tal como salientado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, os atuais EERS encontram as suas origens no encadeamento de dois diplomas distintos: por um lado, no Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto), que procedeu à reestruturação da Entidade Reguladora da Saúde, definindo as suas atribuições, organização e funcionamento; e, por outro, na Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, que aprovou a lei-quadro das entidades reguladoras, impondo simultaneamente àquelas entidades a obrigação de, em conformidade com o disposto na alínea i) do seu artigo 3.º, aprovar e publicar os respetivos estatutos. Foi neste contexto que, conforme notado no Acórdão n.º 728/17, proferido pela 3.ª Secção, o Governo procedeu, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição – que prevê a competência legislativa concorrencial do Governo em matéria não reservada à Assembleia da República –, à aprovação dos referidos EERS. Assim enquadrada, a questão da constitucionalidade orgânica da norma constante do n.º 5 do artigo 67.º dos EERS foi apreciada já no referido aresto. Louvando-se de igual modo no disposto no artigo 79.º-C da LTC – que consente a formulação um juízo de inconstitucionalidade com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais distintos dos invocados pela instância recorrida –, o Tribunal decidiu, no referido Acórdão n.º 728/17, julgar orga- nicamente inconstitucional, por violação da norma de competência reservada da Assembleia da República consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a norma constante do n.º 5 do artigo 67.º dos EERS.

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