TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

641 acórdão n.º 394/18 pagamento da coima. Se conjugarmos a opção legal de atribuir à impugnação efeito meramente devolutivo, com o afastamento da regra da proibição da reformatio in pejus vigente no regime geral das contraordenações, que é solução também consagrada na Lei da Concorrência (artigo 88.º, n.º 1), maior evidência assume o pro- pósito desincentivador subjacente à nova regulamentação legal sobre a matéria (concluindo pela não inconsti- tucionalidade de solução equivalente constante do artigo 416.º, n.º 8, do Código dos Valores Mobiliários, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/15). Ora, não questionando que o arguido em processo de contraordenação tem, por força das normas conju- gadas dos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição, o direito de impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida, não se afigura que o regime consagrado no artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei da Concorrência, constitua, só por si, um obstáculo ao efetivo exercício desse direito. É certo que a atribuição de mero efeito devolutivo à impugnação judicial permite que, na sua pendência, a Autoridade da Concorrência execute a coima, consolidando-se no plano factual, apesar da impugnação contenciosa, a lesão do direito. A procedência do recurso, se tardia, não evitará a lesão efetiva do direito nem garantirá a sua plena reintegração. Porém, não parece que se possa extrair do princípio da tutela jurisdicional efetiva, mesmo estando em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos dos direitos dos particulares, a imposição constitucional da regra do efeito suspensivo (neste sentido, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada , Volume I, 4.ª edição revista, págs. 417-418). Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, em jurisprudência constante, «o legislador dispõe de ampla margem de conformação no que respeita à modelação do regime de acesso à via jurisdicional, podendo disciplinar o modo como se processa esse acesso, (…) posto que não crie obstáculos ou condicionamentos subs- tanciais» (cfr., entre outros, o citado Acórdão n.º 413/15). As opções tomadas pelo legislador, em relação ao regime de subida e efeitos do recurso, mesmo no domínio da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos, como é o caso, decorrem do exercício dessa liberdade de conformação normativa, apenas merecendo censura as soluções legais que, nesse âmbito, importem a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais. 3.9. Dá-se ainda especial enfase à circunstância de o efeito poder ser, em certas circunstâncias, suspensivo, consignando-se a propósito: “Acresce que a possibilidade legalmente prevista de o arguido requerer a atribuição de efeito suspensivo quando a execução da decisão condenatória lhe causa prejuízo considerável, mediante prestação de caução (artigo 84.º, n.º 5, da Lei da Concorrência), pela forma e montante julgados adequados ao caso concreto pelo tribunal, permite acautelar os ponderados riscos de lesão efetiva do direito, em caso de procedência do recurso, sem comprometer a efetividade da sanção, no caso da sua improcedência. Deste modo, introduz-se no sistema uma «válvula de escape» que lhe retira rigidez e automaticidade, permitindo o balanceamento, que se crê razoável e proporcionado, entre a proteção da esfera individual do arguido e a realização do interesse público.” 3.10. Na decisão agora recorrida considerou-se violado o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição). Ora, apesar de na decisão proferida no processo que foi apreciada pelo Acórdão n.º 376/16, ter sido afas- tada a violação daquele princípio, porque a violação vinha invocada pelo então recorrente, o Ministério Público pronunciou-se sobre a sua violação (vd. ponto 7 e conclusões 9.ª a 13.ª, das alegações atrás transcritas) e o Acórdão também apreciou a questão, dizendo: “Finalmente, admitindo-se que o princípio da presunção de inocência não é uma conquista privativa do processo criminal, devendo estruturar todos os processos que possam culminar com a aplicação de sanções disciplinares ou contraordenacionais, com implicações diretas ao nível do ónus da prova e do princípio in dubio pro reo , não se afigura que ele possa valer para as decisões administrativas de aplicação de coimas com o mesmo

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