TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
64 direito da União Europeia, sob pena de se gerar uma desigualdade arbitrária entre a posição jurídica das pessoas coletivas que litiguem em áreas cobertas ou não cobertas por normas de direito da União Europeia. 12. Uma primeira questão a resolver é a de saber se o direito à proteção jurídica em caso de insuficiência económica é atribuído pela Constituição às pessoas coletivas com fins lucrativos ou se, ab initio , se trata de um direito fundamental de que aquele círculo de sujeitos não pode ser titular. Como se percebe, a resposta que se dê a este problema é determinante: se as pessoas coletivas com fins lucrativos não forem titulares do direito à proteção jurídica – enquanto vertente do direito à tutela jurisdicio- nal efetiva –, a opção consagrada no artigo 7.º, n.º 3, da LADT de as excluir, em termos gerais e abstratos, do sistema de acesso ao direito e aos tribunais consagrado nesse diploma não viola o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição; se a resposta for afirmativa, importará, então, definir o conteúdo essencial e mínimo do direito fundamental à proteção jurídica para efeitos de garantia do acesso aos tribunais e analisar se, no quadro legal vigente, o mesmo se encontra salvaguardado no que respeita às pessoas coletivas que prosseguem fins lucrativos. Neste segundo momento, e sem prejuízo de o parâmetro de um eventual juízo de inconstitucionalidade a emitir pelo Tribunal Constitucional no presente caso ser necessariamente a Constituição (cfr. o seu artigo 277.º, n.º 1), deverá considerar-se, em atenção a uma visão sistémica do ordenamento jurídico aplicável em Portugal e à respetiva importância para a interpretação de preceitos relativos a direitos fundamentais, a juris- prudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (“TEDH”) quanto ao artigo 6.º, § 1, primeira frase da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) e, bem assim, à jurisprudência do Tribunal de Justiça no caso DEB , a propósito do artigo 47.º da CDFUE. Na consideração da Convenção, importará não esquecer o disposto no seu artigo 53.º ( Salvaguarda dos direitos do homem reconhecidos por outra via ): «Nenhuma das disposições da presente Convenção será interpretada no sentido de limitar ou prejudicar os direitos do homem e as liberdades fundamentais que tiverem sido reconhecidos de acordo com as leis de qualquer Alta Parte Contratante ou de qualquer outra Convenção em que aquela seja parte.» E o mesmo deverá suceder relativamente aos artigos 52.º, n.º 3, e 53.º ( Nível de proteção ) da Carta: «[52.º-3] Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla» «[53.º] Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, o direito internacional e as Convenções internacionais em que são Partes a União ou todos os Estados-Membros, nomeadamente a [CEDH], bem como pelas Constituições dos Estados-Membros» Acresce que, à semelhança – ou até por maioria de razão – do que este Tribunal já afirmou em relação à Declaração Universal dos Direitos do Homem enquanto cânone interpretativo em matéria de direitos fun- damentais previsto no artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, a abertura constitucional em matéria de direitos fundamentais tem o sentido «de alargar a cobertura constitucional dos direitos fundamentais e não o de a restringir ou limitar, extensiva ou intensivamente. Vale por dizer que o n.º 2 do artigo 16.º da Constitui- ção funciona apenas do “lado” jurídico-individual dos direitos fundamentais e quando não conduza a uma solução menos favorável aos direitos fundamentais do que a interpretação “endógena” da Constituição. Deve intervir aqui o princípio da preferência de aplicação das normas consagradoras de um nível de proteção mais ele- vado , à semelhança do que prescrevem os artigos 52.º, n.º 3, e 53.º da [CDFUE] (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 368)» (assim, vide o Acórdão n.º 121/10, n.º 21; itálico adicionado).
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