TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

638 9.ª Tal juízo, acompanhando o Acórdão do STA, de 15 de maio de 2013, Proc. 665/13, afasta como seu fundamento a violação do princípio da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2 da Constituição), invocada pela sociedade arguida. 10.ª O juízo de inconstitucionalidade é aferido, também através de remissão para o citado Acórdão do STA, com referência ao «acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (conferir artigo 20.º, n.º 1 e artigo 268.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa), com óbvias repercussões – acrescentamos – nas garantias do processo contraordenacional (conferir artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa) e do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa)». 11.ª Interessa, em um primeiro passo, validar o segmento da decisão recorrida acerca da não violação do prin- cípio de presunção de inocência, que fora processualmente invocada pela sociedade arguida – invocação essa, aliás, noticiada já durante a fase pública de ampla discussão da proposta de lei e ulteriormente retomada, em diversos comentários acerca do Novo Regime Jurídico da Concorrência. 12.ª Sabendo-se, embora, que não é fácil determinar o sentido da presunção de inocência do arguido (n.º 2 do art. 32.º da Constituição), e tendo o princípio como aplicável ao processo contraordenacional, a par dos direitos de audiência e defesa (n.º 10 do mesmo artigo), também enquanto simples irradiação para esse domínio sancio- natório de requisitos constitutivos do Estado de direito democrático, não se mostra ele confrontado na questão de constitucionalidade da norma contida no n.º 5 do art. 84.º da Lei 19/2012, nem nesta pode de algum modo aí ver-se presumido o cometimento da infração. 13.ª Como se observa no citado Acórdão do STA, de 15 de maio de 2013, no caso paralelo da norma contida no art. 84.º do RGIT – havendo, relativamente a esse, uma diferença de grau no que respeita à possibilidade da prestação de garantia para evitar a executoriedade da decisão de aplicação de coima pela Autoridade da Concorrên- cia –, «a prestação de garantia emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo do recurso, que leva a questão da eventual desconformidade do preceito a transferir-se para um juízo sobre a avaliação da adequação de tal ónus, à luz das exigências do princípio da proporcionalidade, tendo em conta o interesse público que presidiu à adoção de tal solução». 14.ª É, pois, no âmbito do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição), tal como afirmado na decisão recorrida, que a presente questão de constitucionali- dade haverá de ser aferida. 15.ª A decisão recorrida, ao recusar a aplicação por inconstitucionalidade das normas contidas no n. os 4 e 5 do art. 84.º da Lei 19/2012, convoca ainda, cumulativamente, os arts. 2.º e 32.º, n.º 10 da Constituição. 16.ª A convocação dos citados arts. 2.º e 32.º, n.º 10 da Constituição conforma-se, na economia da decisão recorrida, como mero corolário da proposição anteriormente estabelecida, quanto ao direito a recorrer, ao direito de impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória. 17.ª Importa apenas acentuar que, nos termos da primeira parte do n.º 1 do art. 88.º da Lei 19/2012, o Tribu- nal «conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Autoridade da Concorrência uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória». 18.ª Coloca-se, deste modo, a questão de saber se o novo regime do recurso, tal como passou a constar do n.º 5 do art. 84.º da Lei 19/2012 (tendo, conexamente, como pano de fundo, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo), importa violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição), tal como afirmado na decisão recorrida. 19.ª Tendo-se presente que a abertura da impugnação judicial não se conforma, no caso, a um recurso de mera legalidade ou de cassação, mas de plena jurisdição (conclusão 17.ª), deve assinalar-se, em contraponto, e à luz da jurisprudência constitucional, a ampla margem de modelação do regime por parte do legislador ordinário. 20.ª A norma contida no n.º 5 do art. 84.º da Lei 19/2012 (tendo sempre, conexamente, como pano de fundo, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo) veicula uma verdadeira alternativa: diferentemente da exigência de pagamento, faculta-se ao visado a obtenção de efeito suspensivo do recurso sem efetiva ablação do seu património, mediante a prestação de uma garantia de boa cobrança futura.

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