TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
637 acórdão n.º 394/18 3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, concluindo nos termos seguintes: «III – Conclusões 1.ª O presente recurso do Ministério Público vem interposto do despacho do 1.º Juízo do Tribunal de Con- corrência, Regulação e Supervisão, de 2 de outubro de 2015, proferido no Proc. 273/15.4YUSTR, na parte em que «recusa a aplicação conjugada das normas plasmadas no artigo 84.º, n.º 4 e 5, do Regime Jurídico da Con- corrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio) com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, 32.º, n.º 10 e 2.º, todos da Constituição da República Portuguesa», atribuindo efeito suspensivo, sem determinar a prestação de caução, ao recurso da decisão final sancionatória da Autoridade da Concorrência. 2.ª A atribuição, como regra, de efeito meramente devolutivo ao recurso de decisões sancionatórias proferidas pela Autoridade de Concorrência em processos contraordenacionais vai ao arrepio do regime geral nos domínios contraordenacional e penal, mas encontra paralelismo no regime de recursos das decisões de outras entidades admi- nistrativas independentes e, na administração direta do Estado, de recursos das sentenças, em matéria de coimas aplicadas pela Administração Tributária e Aduaneira. 3.ª O anterior Regime Jurídico da Concorrência, constante da Lei 18/2003, de 11 de junho (revogada pela Lei 19/2012, cit.) dispunha, ao invés, no n.º 1 do art. 50.º: «Das decisões proferidas pela autoridade que determinem a aplicação de coimas ou de outras sanções previstas na lei cabe recurso para o tribunal da concorrência, regulação e supervisão, com efeito suspensivo». 4.ª A Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, que está na base da Lei 19/2012, dimensiona a insti- tuição do novo regime, nos seguintes termos: «Esta reformulação completa do Regime Jurídico da Concorrência é, por conseguinte, oportuna, necessária e adequada por quatro razões: Em primeiro lugar porque faz parte do pro- grama do atual Governo, em segundo lugar, porque visa cumprir medidas constantes do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), em terceiro lugar, porque responde à evolução entretanto verificada na legislação e jurisprudência da União Europeia em matérias de promoção e defesa da concorrência e, por último, porque reflete a experiência e o balanço da atividade desenvolvida no domínio da defesa e promoção da concorrência, por parte da Autoridade da Concorrência e dos Tribunais de recurso competentes». 5.ª Do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, para que remetem os passos transcritos da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, constava, designadamente, do ponto 7.20: «Propor uma revisão da Lei da Concorrência, tornando-a o mais autónoma possível do Direito Administrativo e do Código do Processo Penal e mais harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE, em particular»; «Simplificar a lei, separando claramente as regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência das regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efetiva da Lei da Concorrência» e «Avaliar o processo de recurso e ajustá-lo onde necessário para aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigentes e da adequação dos procedimentos». 6.ª À luz dos trabalhos preparatórios publicitados da Lei 19/2012, a operada alteração do regime dos recur- sos, em desvio ao sistema geral em matéria contraordenacional e penal, vem, pois, genericamente enquadrada no propósito expresso de «aumentar a equidade, a celeridade e a eficiência dos procedimentos de recurso judicial de decisões da Autoridade da Concorrência», com separação clara das regras processuais penais e «harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE». 7.ª Assim, o art. 88.º, n.º 1 da Lei 19/2012, com similar redação à do art. 31.º do Regulamento do (CE) 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, elimina a proibição da reformatio in pejus . E a ausência de efeito suspensivo, agora constante do n.º 4 do art. 84.º da mesma lei, caracteriza o recurso das decisões da Comissão, incluídas as de aplicação de coimas, podendo todavia o Tribunal atribuí-lo, «se considerar que as circunstâncias o exigem», nos termos do art. 278.º do TFUE. 8.ª É sobre o novo regime do recurso, tal como passou a constar do n.º 5 do art. 84.º da Lei 19/2012 (tendo, conexamente, como pano de fundo, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo), que incide o juízo de inconstituciona- lidade contido na decisão recorrida.
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