TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

635 acórdão n.º 394/18 VII – Sem prejuízo do vasto espetro de possibilidades deixadas à livre conformação governamental no âmbi- to da definição das “regras secundárias” do processo contraordenacional, é dado assente que as opções político-legislativas fundamentais subjacentes à definição da disciplina básica do regime jurídico apli- cável àquele ramo do direito sancionatório não podem deixar de compreender as regras relativas ao regime recursório das decisões administrativas sancionatórias, regras essas que, dependendo do senti- do em que vierem a ser conformadas, se projetarão (ou poderão projetar-se) desvantajosamente sobre várias normas de direitos fundamentais; a norma que fixa o tipo de efeito do recurso, ao interferir diretamente com a modelação do processo respeitante à eficácia da impugnação judicial das decisões administrativas sancionatórias, consubstancia uma opção suficientemente estruturante e central do modelo de justiça contraordenacional para que não possa ter sido deixada à competência concorren- cial entre o Governo e a Assembleia da República. VIII– Quando a Constituição estabeleceu a exclusividade da competência do Parlamento para estabelecer o regime geral das contraordenações “e o respetivo processo”, pretendeu assegurar que só a Assembleia definiria as garantias processuais do arguido naquele domínio sancionatório; por esta razão, não cabe ao Governo, salvo se devidamente autorizado para o efeito, tomar uma opção político-legislativa que, tornando meramente devolutivo o efeito suspensivo-regra da impugnação judicial, permite que, no âmbito daquele específico procedimento contraordenacional em que se inscreve a norma sindicada, a sanção aplicada possa ser imediatamente executada, independentemente da impugnação em juízo da decisão que a aplicou. IX – A inversão da regra-geral do efeito da impugnação judicial de decisões administrativas sancionatórias consubstancia uma alteração de um elemento basilar do regime geral aplicável ao processo contraor- denacional e não uma mera reconformação de aspetos secundários ou contingenciais do mesmo, os quais, esses sim, se encontram ao alcance da competência legislativa do Governo, o que significa que, por força da reserva relativa de competência imposta pela alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Consti- tuição, somente a Assembleia da República ou excecionalmente o Governo, se munido de autorização parlamentar, se encontram constitucionalmente habilitados a criar uma norma com o conteúdo ínsito no n.º 5 do artigo 67.º dos EERS; todavia, perscrutada a Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, constata- -se inexistir tal habilitação, não se divisando aí qualquer autorização, por mais genérica que seja, que delegue no Governo a necessária competência para inverter a regra do efeito devolutivo que integra o regime geral; a competência própria do Governo para legislar em matéria contraordenacional, assim como a obrigatoriedade de o fazer respeitando o RGCO, abrange todo o regime, aí se incluindo, naturalmente, as normas de natureza processual, incluindo aquelas que regulam o processo na sua fase administrativa. X – De forma estável e reiterada, tem este Tribunal entendido que, cabendo na competência reservada da Assembleia da República – ou excecionalmente do Governo, caso para tal lhe seja especificamente con- cedida habilitação – legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social, tem permissão o Governo para, no exercício da sua competência legislativa concorrente e sem com isso extravasar os limites do regime, modificar ou eliminar contraordenações já existentes e modelar regras secundárias do processo contraordenacional; uma vez que a regra do efeito suspensivo da impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória integra, como um dos seus elementos essenciais, o regime geral das contraordenações, a inversão operada pela norma sindicada não pode deixar de constituir uma alteração substancial daquele regime, pelo que somente a Assembleia da República (ou excecionalmente ao Gover- no, desde que munido de uma autorização legislativa suficiente), teria competência para a editar.

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