TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

63 acórdão n.º 242/18 Depois, a incompatibilidade da concessão do apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos com a injunção constitucional de assegurar o regular e concorrencial funcionamento do mercado, porquanto o Estado estaria a financiar pessoas coletivas inviáveis ou insolventes – justamente aquelas que não têm con- dições para custear as despesas próprias do acesso à justiça. Argumenta-se, ainda, que a eventual restrição ao direito de acesso à justiça e aos tribunais pela norma em crise não é injustificada nem arbitrária, cabendo ao legislador democrático a concretização prática do conceito de insuficiência económica e admitindo, por isso, a consideração da situação de disponibilidade económica que a ordem jurídica impõe tipicamente às pessoas coletivas com fins lucrativos. Nesse sentido, refere-se, por exemplo, que, em conjugação com o novo regime das custas processuais – que isenta de custas as sociedades, civis ou comerciais (e os estabelecimentos de responsabilidade limitada) que estejam em situa- ção de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho [cfr. o artigo 4.º, n.º 1, alínea u) , do Regulamento das Custas Processuais (“RCP”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro] –, a solução em aprecia- ção não inviabiliza totalmente o direito de acesso à justiça, já que as pessoas coletivas que se encontram em situação verdadeiramente deficitária beneficiam de isenção de custas em todos os processos (exceto os do foro laboral, como assinalado), não carecendo, por isso, de qualquer apoio. Invoca-se, por fim, que os custos derivados de contencioso conexo com a atividade económica da empresa podem ser deduzidos aos seus rendimentos, pelo que, apesar de serem suportados inicialmente, acabam por ser abatidos para efeitos de determinação da matéria coletável. Mas, mesmo nos casos em que a ação é alheia à atividade económica da empresa, deverão ser efetuados seguros para prevenir situações de responsabilidade civil, sendo certo que são também considerados custos, dedutíveis à matéria coletável. A outra linha jurisprudencial – desenvolvida também no seguimento das decisões proferidas com refe- rência à norma de 1996 – consta dos Acórdãos n. os 279/09, 591/16, 86/17 e 266/17. Tais arestos julgaram inconstitucional o critério normativo em crise, com fundamento na violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem conside- ração pela sua concreta situação económica. Ademais, o Tribunal vem, em conferência, revogando as decisões sumárias que ajuizaram pela conformidade constitucional da norma (cfr. Acórdãos n. os 594/16 e 350/17) e confirmando aquelas que julgaram a inconstitucionalidade da norma (Acórdãos n. os 695/17, 698/17, e 699/17), sinalizando uma reponderação da sua jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade da regra contida no artigo 7.º, n.º 3, da LADT. Esta jurisprudência assenta em dois argumentos principais. Em primeiro lugar, não obstante reconhecer que a Constituição não impõe ao legislador um tratamento que abstraia de todas as diferenças existentes entre os diversos tipos de sujeitos jurídicos nem da relevância que para os mesmos tem a concessão de proteção jurídica enquanto dimensão do direito de acesso aos tri- bunais, entendeu o Tribunal não poder fazer-se a consideração dessas diferenças para concessão da proteção jurídica de modo tal que a impeça em absoluto ou de modo desproporcionado. Ora, é justamente isso que sucede na norma posta em crise, já que o legislador, de forma absoluta e liminar, proíbe o acesso à proteção jurídica de toda uma categoria de pessoas jurídicas, sem admitir em caso algum a demonstração da sua situa- ção de insuficiência económica, seja qual for o circunstancialismo envolvente de tais sujeitos. Em segundo lugar, a jurisprudência mais recente (Acórdãos n. os 591/16, 86/17, 266/17) convoca a interpretação que o Tribunal de Justiça fez do artigo 47.º, terceiro parágrafo, da Carta dos Direitos Funda- mentais da União Europeia (“CDFUE”) no seu acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB Deutsche Ener- giehandels – und Beratungsgesellschaft mbH c. República Federal da Alemanha , Processo C-279/09 (acessível a partir de http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=en&num=C-279/ 09 ) – no sentido de que tal norma se opõe à exclusão em termos gerais e abstratos do acesso de uma dada categoria de sujeitos de direito, como as pessoas coletivas com fins lucrativos, ao apoio judiciário – para determinar, no quadro da visão sistémica referida pelo Acórdão n.º 216/10, a necessidade de estender tal proteção também às áreas não cobertas pelo

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