TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

624 considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários”. Ora, a grande diferença no caso sujeito é que a taxa a aplicar nos termos do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 pressupõe já o benefício da remoção do obstáculo jurídico, isto é, a licença de exploração de postos de abastecimento de combustíveis. O que aquela taxa vem valorar é, no quadro de tal licenciamento, aspetos ainda nele não considerados, uma vez que o licenciamento em causa é determinado por lei especial que não tem de tomar em linha de consideração a especificidade dos interesses muni- cipais. Será que, por ser assim, fica a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, desprovida de uma estrutura bilateral? A resposta deve ser negativa, uma vez que o licenciamento dos postos de abastecimento de combustíveis nos termos do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, removendo embora um obstáculo jurídico, não toma – e, em rigor, nem pode tomar, atento o princípio da autonomia das autarquias locais – em consideração a obrigação passiva do Município de Sintra de se conformar com a influência modeladora da atividade licenciada. E este deve ser o aspeto decisivo: existe um comportamento sujeito a licenciamento que constitui aquele Município numa dada obrigação de suportar impactes negativos da atividade licenciada que pura e simplesmente não são considera- dos na licença. E a taxa em causa é a contrapartida específica de tal obrigação passiva. Não ocorre dupla tributação, uma vez que a mesma obrigação pura e simplesmente não é considerada nas taxas a pagar por ocasião da emissão ou renovação da licença. Também aqui deve valer a ideia de que as taxas do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro não consomem a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, uma vez que se reportam a contrapartidas diferentes.» 9. O Acórdão n.º 316/14, tirado em Plenário com cinco votos de vencido e uma declaração de voto, constitui o “marco geodésico” do conceito de taxa na jurisprudência constitucional. Com efeito, nesse aresto o Tribunal admitiu dois alargamentos significativos do conceito tradicional de taxa. Por um lado, admitiu que a prestação de um serviço público possa ser presumida a partir de um dever legal específico e permanente de fiscalização da atividade tributada. A este respeito, importa notar que as prestações administrativas em que se traduz a observância de tal dever de fiscalização não correspondem a atos ou comportamentos especificamente previstos na lei – como a apreciação do pedido de licencia- mento, as vistorias técnicas prévias ou posteriores ao licenciamento ou a emissão do alvará de utilização –, os quais constituem fundamentos de tributação autónoma, segundo o previsto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro. Constituem, pelo contrário, todo o universo – residual e potencial – de atos de fiscalização praticados em observância do dever genérico imposto aos municípios pelo artigo 25.º daquele diploma. De resto, a habilitação legal invocada para a criação destes tributos sobre postos de abaste- cimento de combustíveis não é qualquer disposição do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, mas o artigo 6.º do RGTAL, que delimita as categorias de incidência objetiva das taxas municipais. Por outro lado, o Tribunal admitiu, na linha do decidido no Acórdão n.º 177/10, que a mera inação administrativa em face de uma atividade que interfere no gozo de determinados bens públicos – como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território ou a gestão do tráfego – possa consubstanciar uma contrapartida da respetiva tributação, satisfazendo o requisito, essencial ao conceito de taxa, de bilateralidade ou comutatividade. Ao fazê-lo, incluiu no domínio das taxas por remoção de um obstáculo jurídico todo o vasto conjunto das prestações de “deixar fazer” que constituem objeto das obrigações ditas de pati. Segundo este entendimento, o obstáculo jurídico removido é o direito municipal de gozo exclusivo daqueles bens, por analogia com a situação do proprietário que, mediante contrapartida pecuniária, se obriga perante terceiro a consentir na interferência no gozo do seu bem; ou ainda com a situação do proprietário ao qual a lei impõe excecionalmente uma obrigação dessa natureza – por exemplo, caso se verifique um estado de necessidade –, ao mesmo tempo que lhe atribui o direito a uma compensação pelos prejuízos sofridos. Foi com base nesse conceito alargado ou amplo de taxa, e na pretensa analogia entre o tributo munici- pal sobre os postos de abastecimento de combustíveis apreciado no Acórdão n.º 316/14 e o tributo sobre o armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos) no Município de Oeiras, que o tribunal a

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=