TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
62 forte travão aos fortes abusos que vinham sendo cometidos nesta matéria: «[e]sta alteração terá, por certo, a virtude de, doravante, constituir um forte travão aos manifestos abusos que, em nome de uma crise económica de “chapéu largo”, eram cometidos e limita aquele tipo de ação simulada para justificar pretensos créditos, com vista a uma evasão fiscal nociva e que urge combater» – v. ibidem , p. 3223). Esta opção legislativa, estabelecida na vigência da atual Constituição, suscitou dúvidas de constitucio- nalidade, tendo tal critério sido apreciado diversas vezes pelo Tribunal Constitucional (quer quando inse- rido no Decreto-Lei n.º 387-B/87, na redação dada pela a Lei n.º 46/96, quer quando constante da Lei n.º 30-E/2000) no tocante à sua compatibilidade com o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. A jurisprudência constitucional, sempre em sede de fiscalização concreta, não foi uniforme. Na maioria dos casos, decidiu pela não desconformidade constitucional daquela solução (vide os Acórdãos n. os 97/99, 98/99, 167/99, 368/99, 428/99, 90/00, 399/04, 191/05); todavia, em dois arestos, este Tribunal considerou-a inconstitucional (cfr. os Acórdãos n. os 106/04 e 560/04). 10. Como referido supra no n.º 7, tal regra acabou por ser revogada pela atual LADT, que, na redação originária do n.º 3 do artigo 7.º, restabeleceu o acesso universal ao apoio judiciário. Assim, neste quarto momento, o legislador determinou que as pessoas coletivas (com ou sem fins lucrativos) não beneficiariam de proteção jurídica na modalidade de consulta jurídica, mas gozariam do acesso ao apoio judiciário sempre que fizessem prova da sua situação de insuficiência económica. Neste período, desapareceram, pois, as dúvidas de constitucionalidade que haviam impendido sobre a norma anterior. Este statu quo , como igualmente mencionado, foi alterado pela Lei n.º 47/2007, que, por via da nova redação dada ao n.º 3 do artigo 7.º da LADT, recuperou solução normativa similar àquela que no período de 1996 a 2000 vigorara, em princípio, em relação às pessoas coletivas com fins lucrativos, mas sem salvaguardar a possibilidade de consideração das respetivas circunstâncias concretas. Isto é, a partir de uma abordagem puramente categorial, excluiu-as, de plano, do sistema de acesso ao direito e aos tribunais consagrado naquele diploma. 11. O Tribunal Constitucional já apreciou, por diversas vezes, a conformidade constitucional desta norma em sede de fiscalização concreta, tendo proferido juízos divergentes. Por um lado, há uma linha jurisprudencial que sufraga a não desconformidade constitucional da exclu- são do acesso à proteção jurídica das pessoas coletivas com fins lucrativos. Tal posição – originariamente desenvolvida a propósito da norma similar que vigorou entre 1996 e 2004 (o n.º 5 do artigo 7.º do Decreto- -Lei n.º 387-B/87, na redação da Lei n.º 46/96) –, foi assumida em relação à norma agora em crise pelos Acórdãos n. os 307/09, 308/09 e 657/09, e confirmado pelo Plenário no Acórdão n.º 216/10, proferido na sequência de recurso interposto com base no artigo 79.º-D da LTC (oposição de julgados). O entendi- mento que prevaleceu neste aresto foi posteriormente reiterado, por exemplo, nos Acórdãos n. os 230/10, 236/10, 237/10, 258/10, 259/10, 300/10, 406/10, 447/10, 193/11, 454/11, 468/11, 541/11, 548/11, 41/12, 58/12, 671/14. No citado Acórdão n.º 216/10, reconhece-se a necessidade de, a propósito da apreciação da constitucio- nalidade da norma do artigo 7.º, n.º 3, da LADT, na redação da Lei n.º 47/2007, «efetuar uma visão sisté- mica da questão [tendo presente que aquela disposição] é mais restritiva que a lei anterior, no ponto em que exclui, sem qualquer ressalva, a possibilidade de concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos» (cfr. o n.º 13; itálico adicionado). Nesse sentido, são alinhadas diversas ordens de razões tendentes a reforçar a fundamentação do juízo negativo de inconstitucionalidade alcançado na jurisprudência anterior. Desde logo, a inexistência de comparabilidade entre as pessoas singulares e as pessoas coletivas com fins lucrativos no que tange ao acesso à proteção jurídica – a que acresce a sustentação do direito de acesso aos tribunais no princípio da dignidade da pessoa humana –, inferindo-se assim a ausência de imposição consti- tucional de o atribuir a estas últimas.
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