TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

60 Na doutrina, Salvador da Costa destacou-se na justificação da solução encontrada, salientando que, além de o direito de acesso à justiça e aos tribunais ser essencialmente um direito individual da pessoa singu- lar, existe uma significativa diferença entre quem tem de aceder a juízo no exercício de uma atividade organi- zada em termos de obtenção de lucro, em que os custos são repercutidos no preço do produto final, e aqueles que o fazem a outro título, ou seja, a generalidade dos cidadãos, circunstâncias essas que justificam um tratamento diferenciado (cfr. Autor cit., O Apoio Judiciário , 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 44). Acresce que «[a] ideia que está ínsita nesta diferenciação é a de que, no limite, ou seja, quando as referidas entidades não tiverem fundos para constituir advogado ou pagar a taxa de justiça e os encargos dos processos respetivos, inexiste motivo válido para sustentar a sua viabilidade porque, na verdade, estão a prejudicar a economia global» (vide idem , ibidem , p. 45). 9. A verdade é que o direito infraconstitucional conheceu diferentes opções político-legislativas no res- peitante à concessão de proteção jurídica ( maxime , ao apoio judiciário) a pessoas coletivas com fins lucrati- vos. Dito de outro modo: o legislador foi oscilando entre a exclusão e a não exclusão das pessoas coletivas com fins lucrativos do acesso ao apoio judiciário. Numa primeira fase, a assistência judiciária (antecessora da proteção jurídica) era atribuída aos «litigan- tes pobres» e às «pessoas coletivas de utilidade pública administrativa» (cfr. o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 33 548, de 23 de fevereiro de 1944), definindo-se os primeiros como «as pessoas cujos bens ou rendimentos, deduzidos os indispensáveis para a sua mantença e da família a seu cargo, sejam insuficientes para ocorrer às despesas normais do pleito». Nestes termos, o legislador começou por não estender às pessoas coletivas com fins lucrativos o direito a beneficiar da promoção pública no acesso aos tribunais. Um segundo momento inicia-se em 1970, quando a assistência judiciária (compreendendo a dispensa, total ou parcial, de preparos e do prévio pagamento de custas, e bem assim o patrocínio oficioso) passou a ser concedida de modo igual a pessoas singulares e coletivas, com ou sem fins lucrativos (cfr. o n.º 1 da Base I e o n.º 2 da Base II, ambas da Lei n.º 7/70, de 9 de junho e o Regulamento da Assistência Judiciária nos Tribunais Ordinários, aprovado pelo Decreto n.º 562/70, de 18 de novembro). Esta orientação foi seguida na reforma de 1987, já que a norma do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de dezem- bro, na sua redação originária, atribuía às « pessoas coletivas e sociedades » (itálicos aditados) o direito a apoio judiciário (compreendendo, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, «a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento, assim como do pagamento dos serviços do advogado ou solici- tador»), permitindo-lhes a demonstração da situação de insuficiência económica. Num terceiro período, iniciado em 1996, o legislador modificou esta posição, tendo a Lei n.º 46/96, de 3 de setembro, alterado a citada disposição do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87 e aditado um n.º 5: «4 – As pessoas coletivas de fins não lucrativos têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o n.º 1. 5 – As sociedades , os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os esta- belecimentos individuais de responsabilidade limitada têm direito à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento, quando o respetivo montante seja consideravelmente superior às pos- sibilidades económicas daqueles, aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço.» (itálicos aditados) Nesta intervenção legislativa, além de se suprimir o acesso ao pagamento dos serviços de advogado ou solicitador, restringiu-se significativamente – sem todavia o eliminar – o direito das pessoas coletivas com escopo lucrativo à dispensa de preparos e do pagamento de custas (ou seu diferimento). Esta solução foi mantida no âmbito da revisão do regime de acesso ao direito e aos tribunais operada pela Lei n.º 30-E/2000,

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