TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
582 Em face de um invocado cometimento de actos delituosos, se se assistisse a um muito dilatado decorrer do tempo entre esse cometimento e a respectiva punição, certamente que a sociedade deixaria de reclamar esta última, ainda que, no «momento» da ocorrência dos factos, tivesse devidamente aquilatado da respectiva gravidade ou danosidade. À necessidade de punição reclamada aquando da ocorrência contrapor-se-ia, com o decurso de um alongado período temporal sem que ela surgisse, um sentimento de «apagamento» daquela necessidade, algo como um «perdão» decorrente da passagem do tempo. É que, a sociedade, em nome da falada paz jurídica, que é um valor que inquestionavelmente preserva, conta com o reflexo que haverá de ter no ordenamento jurídico o apaziguamento das necessidades de punição que surgi- ram aquando da ocorrência da acção criminosa.» Além do mais, a paz jurídica assume uma significativa relevância também na perspetiva do infrator. Com efeito, por via do instituto da prescrição, procura-se a conciliação entre o interesse público na persegui- ção do ilícito (penal) e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição das consequências (penais) do facto praticado, de modo a que possa alcançar a paz jurídica individual. Por último, a relevância do instituto não se confina ao plano estritamente processual, mas reporta-se também ao plano substantivo. Como dá conta o Acórdão n.º 445/12: «(…) 6. O instituto da prescrição do procedimento criminal justifica-se, desde logo, por razões substantivas, ligando- -se a exigências político-criminais ancoradas nos fins das penas. Com o decurso do tempo, além do enfraqueci- mento da censura comunitária presente no juízo de culpa, por um lado, perdem importância as razões de preven- ção especial, desligando-se a sanção das finalidades de ressocialização ou de segurança. Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção geral positiva se justifica o instituto. Com o correr do tempo sobre a prática do facto, vai perdendo consistência a prossecução do efeito da pena de afirmação contrafáctica das expectativas comunitá- rias sobre a vigência da norma, já apaziguadas ou definitivamente frustradas. Finalmente há a considerar o efeito do tempo no agravamento das dificuldades probatórias, com a consequente potenciação do grau de incerteza do resultado. O que, em associação com a ideia de que à intervenção penal deve ser reservado um papel de ultima ratio , só legitimada quando ainda se mantenha a necessidade de assegurar os seus objetivos, justifica que o Estado não prossiga o procedimento transcorrido que seja o período de tempo legalmente determinado (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 699).» No plano substantivo ganha, assim, relevo uma ideia de contenção – de necessidade – da intervenção punitiva do Estado, em face do decurso do tempo. Deste modo, a prescrição quer da pena, quer do proce- dimento punitivo penal responde, desde logo, a imperativos de proporcionalidade. Quanto à prescrição do procedimento criminal, o princípio da proporcionalidade introduz um elemento de contenção da própria ação penal, considerando-se que à mesma seja reservado um papel de ultima ratio , pelo que a consequência do decurso do período de tempo previsto para a prescrição é a preclusão do exercício do poder punitivo do Estado, não prosseguindo o procedimento penal no caso. Do mesmo modo, a prescrição da pena pode ser fundada no princípio da proporcionalidade. Como se escreveu no Acórdão n.º 625/13: «Pode dizer-se, por isso, que a prescrição das penas é uma exigência do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade. Dado que o direito penal utiliza como sanções os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades, desig- nadamente o direito à liberdade, ele só deve intervir quando haja uma carência absoluta de tutela penal para a proteção de um determinado bem jurídico. Ora, quando o tempo decorrido torna desnecessário o cumpri- mento da pena, deve o instituto da prescrição atuar de modo a impedir que ela aconteça.» 13. Na situação dos autos, o legislador não estabeleceu um limite temporal máximo para a suspensão do procedimento criminal determinada pela impossibilidade de notificação ao arguido julgado na ausência, operando a mesma enquanto essa impossibilidade persistir.
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