TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

566 25. Neste sentido e sobre esta temática, o Tribunal Constitucional, a titulo de exemplo julgou inconsti- tucional, por ofensa dos princípios da paz jurídica, da certeza, da segurança, da necessidade de imposição de pena e da proporcionalidade, que se extraem dos Arts. 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º e 32.º, n.º 2, da Constituição, o conjunto normativo resultante das normas constantes dos arts. 118.º, n. os 1 e 4, 270.º, n. os 1 e 2 364, e 207.º, todos do CP (versão antiga), na interpretação segundo a qual, no crime de propagação de doença contagiosa agravado pelo resultado, o início do prazo de contagem da prescrição do procedimento criminal é referido ao último resultado agravativo ocorrido. 26. Da fundamentação de tal acórdão resulta a defesa de que o instituto da prescrição do procedimento criminal pode ser perspectivado como um valor constitucionalmente atendível, perspectivado como um valor com relevância constitucional, pois existem princípios ou valores, de ressonância ético-jurídica fundamental, como sejam os enunciados supra, mas também as garantias de defesa dos agentes do crime. 27. A limitação temporal da perseguibilidade do facto tem tradução nesses valores e princípios constitu- cionais, tratando-se de matéria com longa sedimentação na consciência jurídica e na própria comunidade, o que não deixa de ser algo a que, objectivamente, deve ser dado relevo constitucional; 28. Existindo razões, constitucionalmente fundadas, decorrentes da ideia de certeza e de paz jurídica, do estado de direito democrático e do progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal com o decurso do tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve, bem como das próprias garantias de defesa dos arguidos, que levam à consagração de um instituto como o da prescrição. 29. Não é, em face do ordenamento jurídico português, à luz da nossa Constituição, defensável uma interpretação que leve, na prática, a verdadeiras situações de imprescritibilidade ou muito próximas dela. 30. Uma tal insegurança e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível decurso do tempo, aliadas à objectiva diminuição de garantias de defesa dos arguidos, mostram-se incompa- tíveis com os princípios constitucionalmente acolhidos. 31. Enuncia, deste modo, o Tribunal Constitucional a defesa da inconstitucionalidade da imprescritibili- dade no ordenamento jurídico-penal, pelo menos para os crimes sem excepcional gravidade. 32. Por tudo o que vimos dizendo, entendemos que da nossa Constituição resultam valores e princípios de onde decorre a não conformidade constitucional da previsão normativa pelo legislador ordinário de crimes e penas imprescritíveis ou de soluções normativas que tendam a esse resultado. 33. Por outro lado, admitir um número infinito de interrupções, e suspensões, segundo as palavras de Eduardo Correia que se subscreve, “significaria aceitar como que uma «perda de paz»” ou, segundo Figueiredo Dias, tal resultado contraria os fundamentos político-criminais em que o instituto da prescrição repousa. 34. Para evitar um efeito como esse, a lei define, no n.º 3 do art. 121.º do CP, um prazo-limite, findo o qual prescreve o procedimento criminal, que ocorre independentemente das interrupções que possam ter tido lugar. 35. A prescrição tem sempre lugar, quando, desde o seu início (do prazo de prescrição) e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Se o prazo de pres- crição, por força de lei especial, for inferior a dois anos, o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo. 36. Apesar da imposição destes limites, que visam afastar a imprescritibilidade a que poderiam chegar muitos crimes com a verificação repetida de causas de suspensão e de interrupção, a verdade é que se a sus- pensão não fosse limitada no tempo isso determinaria o mesmo efeito, já que o prazo de prescrição poderia permanecer indefinidamente suspenso até que cessasse (se tal ocorrer e quanto isso ocorrer). 37. Não existem hoje causas em que tal ocorra, com excepção do caso da sentença não poder ser notifi- cada ao arguido julgado na ausência. 38. Pensamos que a previsão de tais limites é a solução adequada e no caso em que tal não ocorre, pode- mos chegar a soluções que, pelo tempo decorrido, são de constitucionalidade duvidosa por se repercutirem numa imprescritibilidade.

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