TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
553 acórdão n.º 361/18 ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16, pág. 505). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes ( Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Consti- tucional – artigo 210.º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» (cfr., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional , vol. 9, pág. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…). O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias cons- titucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.” Acresce que a jurisprudência deste Tribunal, de que é exemplo o Acórdão n.º 396/14, vem conside- rando, igualmente, que “(...) Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n. os 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP) (...).” Sublinhando a mesma jurisprudência que “(...) da não consagração de um direito ao duplo grau de jurisdição em processo civil não decorre que o legis- lador possa proceder arbitrariamente à regulação dos meios de impugnação das decisões judiciais. Para além da supressão ou inviabilização global da faculdade de recurso – limite que decorre da própria previsão constitucional de tribunais superiores –, as restrições ao direito ao recurso estão sujeitas aos princípios estruturantes do Estado de direito democrático e, de um modo especial, aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ambos invocados como violados pelos recorrentes. (...) Desta forma, como se afirmou no Acórdão n.º 202/99, a ampla margem de discricionariedade na concreta con- formação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil tem como “limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade”.
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