TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

552 É com base nesta compreensão teleológica que se deve perspetivar a restrição de admissibilidade do recurso de revista pressuposta pelo critério normativo em apreciação, que assenta na importância da inter- venção estabilizadora qualificada do Supremo Tribunal de Justiça, órgão a que está cometida «a função espe- cífica dos supremos tribunais que consiste em procurar a unidade da ordem jurídica mediante a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais», objetivo que «merece tutela sob pena de os valores da segurança jurídica e da igualdade sofrerem intolerável erosão no momento da aplicação da lei pelos tribunais» (vide Acórdão n.º 383/09). O especial valor conferido à jurisprudência uniformizada resulta de uma conjugação de fatores, que se prendem com a «natureza do órgão jurisdicional de que emana, a qualidade dos elementos que o integram e a profundidade da argumentação» (vide Abrantes Geraldes, «Valor da jurisprudência cível», in Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo II, 1999, p. 13). Compreende-se, neste contexto, que é expectável que o efeito persuasivo da prolação de um acórdão uniformizador opere uma estabilização da jurisprudência, desde logo, do próprio Supremo Tribunal de Justiça. Sendo certo que tal estabilidade não equivale a imutabilidade, a alteração da posição jurisprudencial assumida será, em regra, o resultado de um «circunstancialismo complexo», em que se enquadram circunstâncias como a ampla renova- ção do quadro de juízes que integram as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça; o período de tempo decorrido desde a prolação da decisão, conjugado com relevantes modificações do regime jurídico conexo com a norma cuja interpretação uniformizadora se efetivou; o surgimento de argumentos jurídicos que não tenham sido analisados ou suficientemente rebatidos no acórdão uniformizador (vide Abrantes Geraldes, ibidem , p. 17). Ocorrendo a prolação do acórdão de uniformização entre a data da interposição do recurso de revista excecional e o da apreciação da sua admissibilidade, as referidas circunstâncias dificilmente se verificarão, o que sedimenta o juízo de elevada probabilidade de acerto sobre o prognóstico do sentido da decisão de mérito que viria a ser proferida caso o recurso fosse admitido, ou seja, a confirmação de decisão concordante com a tese adotada no acórdão uniformizador. 8. Refere o recorrente que o critério normativo em apreciação acarreta a violação do artigo 20.º da Cons- tituição, especificamente do acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Como resulta da jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, o direito ao recurso em pro- cesso civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade. A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 638/98, o seguinte: “(…) O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igual- dade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=