TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

540 É certo que, no caso das obrigações de prestar quantia certa, constituídas por ato administrativo sem natureza sancionatória, o n.º 2 do artigo 50.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) determina que a impugnação tem efeito suspensivo, desde que tenha sido prestada garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária. Mas esta exigência de garantia não constitui uma restrição a um direito fun- damental à suspensão da eficácia dos atos administrativos impugnados, sem o menor apoio no texto constitu- cional e estranho à matriz histórica do nosso sistema administrativo; pelo contrário, é parte integrante de uma das exceções à regra de que a impugnação do ato não prejudica a sua eficácia, nem obsta à respetiva execução. Não significa isto que a possibilidade de a administração pública mover a execução – por conta própria ou por intermédio dos tribunais – de atos administrativos impugnados pelos afetados, não constitua uma restrição de direitos carecida de justificação constitucional. Se tais atos forem lesivos, a eficácia e eventual execução implicam um sacrifício imediato correspondente à sua carga ablativa, pelo que a autotutela decla- rativa não pode servir fins ilegítimos, nem se pode revelar um meio excessivo de prosseguir fins legítimos, nomeadamente a prossecução do interesse público confiada pela lei à administração. Desde logo, assinale-se a imposição constitucional expressa de que aos administrados seja facultada tutela cautelar adequada (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição). Com efeito, «quando haja fundado receio da consti- tuição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal», para usarmos as palavras do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, a suspensão da eficácia do ato, e a paralisação da respetiva execução, decorrem do direito fundamental dos administrados a uma tutela jurisdicional efetiva. A recusa de uma providência cautelar, nessas situações, justifica-se apenas – nos termos do n.º 2 − «quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.» Porém, fora do âmbito da tutela cautelar – âmbito esse em que se verifica necessariamente periculum in mora − a proteção constitucional recai unicamente sobre os direitos fundamentais eventualmente atingidos pela execução do ato impugnado e não sobre um qualquer direito autónomo a que os atos administrativos cuja lega- lidade é posta em causa pelos particulares não produzam efeitos, e não sejam executados, até que a impugnação seja decidida em termos definitivos. Um tal direito fundamental, como bem se entende, seria incompatível com a autotutela declarativa de que normalmente goza a administração pública, nos sistemas administrativos de tradição executiva. No caso das dívidas fiscais liquidadas pela AT, e cuja legalidade seja questionada pelo sujeito passivo, o direito fundamental geralmente atingido pela execução é o direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição). Isto − repita-se −, sem prejuízo dos casos especiais em que, atento o perigo de que se produ- zam danos irreversíveis, esteja sobretudo em causa o direito a uma tutela jurisdicional efetiva. A Constituição permite expressamente a ablação do património dos contribuintes para o preenchimento das finalidades de satisfação das necessidades públicas e de justiça distributiva que comete ao sistema fiscal (artigo 103.º, n.º 1). Na verdade, constitui um dever fundamental dos contribuintes pagarem os impostos criados nos termos constitucionais – nomeadamente, com respeito pelos princípios da igualdade tributária, da segurança jurídica e da legalidade formal −, cuja liquidação e cobrança se façam nos termos da lei (n.º 2). E está claro que, se os cidadãos têm o dever fundamental de pagar impostos, não faz sentido dizer que a tributação do seu património, desde que conforme às exigências constitucionais, consubstancia uma restri- ção do direito fundamental de propriedade. Porém, nos casos em que é impugnado o ato de liquidação, é precisamente a adequação constitucional do imposto que é posta em causa; nessas circunstâncias, a execução da dívida fiscal constitui uma verdadeira restrição do direito de propriedade do impugnante, que sofre uma ablação patrimonial sem que se tenha consolidado na ordem jurídica o juízo sobre o seu dever fundamental de pagar o imposto correspondente. 10. O segundo pressuposto da aplicação do princípio da proibição do excesso é, como se assinalou, a existência de um fim legítimo para a medida restritiva. Ora, não é difícil discernir a razão de ser da possibili- dade de execução de dívidas fiscais cuja liquidação o interessado impugnou. As receitas dos impostos – como

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