TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
539 acórdão n.º 349/18 pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor constitucional. O subprincípio da exigibilidade (ou da necessidade) determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade (ou da justa medida) determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional. Ora, tendo o Supremo Tribunal Administrativo concluído que o critério de avaliação da garantia pres- crito na lei, construído a partir da remissão para a fórmula consagrada na alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º, não é adequado à finalidade de aferir a idoneidade da fiança para efeitos de suspensão da execução fiscal, chegando mesmo ao ponto de lhe imputar «erro manifesto», é difícil compreender a afirmação, feita na deci- são recorrida, de que a solução legal passa nos crivos da adequação e da necessidade, sucumbindo apenas no patamar da proporcionalidade em sentido estrito. Se o problema é de falta de idoneidade do critério adotado pelo legislador, não há dúvida de que o mesmo reprova – de acordo com o entendimento expresso na decisão recorrida − no primeiro dos testes em que se desdobra o princípio da proibição do excesso; ao consagrar um critério de avaliação da garantia que não é adequado ao seu fim, a norma sindicada revela-se pura e simples- mente inidónea e, precisamente por essa razão, excessiva ou desproporcionada. Porém, também não é claro, no caso vertente, qual seja o direito ou interesse, protegido pela ordem constitucional, cuja restrição se deva considerar excessiva. Note-se que a aplicação do princípio da proibição do excesso, desdobrado nos seus três «testes» ou subprincípios», pressupõe dois passos omitidos na decisão recorrida. O primeiro passo é verificar da existência de uma restrição a um direito fundamental ou da afeta- ção negativa de uma outra grandeza axiológica a cujo respeito e promoção a ordem constitucional vincula o legislador ordinário; a proibição do excesso que decorre do princípio do Estado de direito é a proibição do sacrifício desproporcionado do que seja valioso, pelo que é imprescindível determinar-se a natureza e o alcance do desvalor que atinge o comportamento estadual. O segundo passo é a identificação de um fim legítimo a cuja prossecução o comportamento estadual restritivo se encontra ordenado; se a finalidade de uma medida que sacrifica valores constitucionais for censurada ou proscrita pela ordem constitucional, não há nenhuma razão válida para ponderar a admissibilidade do sacrifício – nenhum bem cuja promoção possa justificar o emprego de um meio desvalioso. Em suma, a existência de uma medida restritiva e de um fim legítimo são pressupostos cumulativos da aplicação do princípio da proibição do excesso. 9. Quanto ao primeiro pressuposto, importa notar que a Constituição não consagra qualquer direito à suspensão da execução fiscal, nos casos em que o interessado impugna o ato de liquidação, pelo que a exigên- cia de garantia idónea com vista à obtenção de tal benefício não consubstancia, em si mesma, uma medida restritiva de direitos fundamentais. A prerrogativa de a administração pública definir unilateralmente a situação jurídica dos particulares – a denominada «autotutela declarativa» ou o «poder de decisão unilateral» −, constitui um traço característico dos sistemas de administração executiva, como é o caso do português. Traduz-se tal prerrogativa na circuns- tância de a administração pública não carecer de pronúncia judicial declarativa para ver reconhecidos os efei- tos das suas decisões ou para que estas, no caso de serem exequíveis, venham a ser executadas, seja a execução assegurada pela própria administração − quando a lei lhe atribui a denominada prerrogativa da «autotutela executiva» ou o «privilégio da execução prévia» −, seja através do recurso aos tribunais, como é, em larga medida, o caso do processo de execução fiscal (artigo 151.º do CPPT) − assim como, por via de remissão para as regras que lhe dizem respeito, operada pelo n.º 1 do artigo 179.º do Código do Procedimento Admi- nistrativo, de todos os processos de execução de obrigações pecuniárias. Ora, se o ato administrativo tem força declarativa, não é de admirar que a impugnação não suspenda, por via de regra, a sua eficácia, nem prejudique a legalidade da respetiva execução.
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