TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
533 acórdão n.º 349/18 18.ª) A estrutura e função da fiança, enquanto garantia pessoal, consiste, no final de contas, em fazer acrescer um outro património (enquanto genérica massa de bens) ao do devedor originário, para garantir a cumprimento da dívida de imposto. 19.ª) Ora, quando o capital social da sociedade afiançada é inteiramente detido por uma outra sociedade fia- dora (sendo certo que no caso é por interposta sociedade, cujo capital social, por sua vez, é inteiramente detido pela da sociedade fiadora) não há um outro património a acrescer, como garantia (genérica) da satisfação do crédito, embora titulado por duas sociedades é sempre um e o mesmo património que está em causa, pelo que tal distorção deverá ser corrigida para se ter a real noção da capacidade financeira existente para satisfazer a dívida exequenda e acrescido, que será o fundamento racional para dedução prescrita no n.º 1, al. b) do artigo 199.º-A. 20.ª) A responsabilidade do garante ( idem , ibidem , n.º 2) apenas será efetivada quando, verosimilmente, o devedor originário não realize o pagamento voluntário ou não tenha capacidade patrimonial para realizar, embora no caso, bem entendido, para firmar tal conclusão não seja não exigível a prévia excussão dos bens do devedor originário [LGT, art. 23.º, n.º 1 e 2, e CPPT, art. 153, n.º 1 e 2, als. a) e b) ]. 21.ª) Ora, ocorrendo isto no quadro de uma relação de domínio societário total, a incapacidade financeira deste (afiançado) necessariamente, em virtude do seu capital social ser inteiramente detido por aquela outra socie- dade, se repercutirá na capacidade financeira daquele (fiador) para satisfazer a dívida exequenda e acrescido, pelo que a renúncia ao benefício da prévia excussão, neste contexto das sociedades em relação de grupo, nomeadamente de domínio total, não altera os dados do problema, na medida em que não reforça, substancialmente, a valia da garantia prestada pelo fiador. 22.ª) Finalmente, atento todo o exposto, contrariamente ao juízo da decisão recorrida e sem forçar a nota, podemos afirmar que a fórmula legal em apreço cobra todo o sentido enquanto critério de avaliação da capacidade financeira do fiador no quadro das sociedades em relação de grupo, nomeadamente de domínio total, e muito em especial quanto mais extensa for a cadeia de domínio. 23.ª) Com efeito, uma vez que a fiança não tem especiais custos de constituição e manutenção, e que o fiador não incorre substancialmente em risco agravado em relação ao que já decorre do domínio total, terá naturalmente um incentivo para preferir esta garantia, paralisando assim sem mais a execução fiscal, pelo que se impõe, como contraponto a tal propensão, uma avaliação tão precisa quanto possível da sua capacidade financeira para satisfazer a quantia exequenda e acrescido. 24.ª) Finalmente, sempre se dirá que no caso em apreço uma decisão de inconstitucionalidade seria, ela pró- pria, contraditória com o equitativo propósito de consecução de finalidades de “justiça do caso”, manifestamente subjacente à decisão recorrida, tal resolução poderia mesmo ser excessiva e desnecessária. 25.ª) Excessiva, pois sendo controvertido apenas um efeito localizado (SGPS e das relações de domínio) em sede da aplicação da fórmula legal, efeito esse que pode mesmo ser superado em sede do controlo da proporciona- lidade do juízo administrativo, será excessivo proferir um juízo radical de inconstitucionalidade, com eliminação do conjunto normativo em causa. 26.ª) Desnecessária, pois que a desejável a consecução da “justiça do caso” pode ser simplesmente alcançada no quadro do normal controlo da “margem de apreciação” da administração na apreciação da “idoneidade” da garantia, enquanto “conceito impreciso carecido de preenchimento valorativo”, através da técnica do erro de facto ou, em especial, de “erro manifesto de apreciação” (LGT, art. 52.º, n.º 2, e CPPT, art. 199.º, n.º 1). 27.ª) Face ao exposto, em suma, podemos concluir que fórmula legal em apreço, nomeadamente no quadro das sociedades em relação de grupo, nomeadamente de domínio total, e muito em especial quanto mais extensa for a cadeia de domínio, incrementando o risco de confusão de património, tem por ela as apreciáveis vantagens. 28.ª) Assim: proceder de uma avaliação contabilística do valor substancial (“capitais próprios”) da empresa, fundada no conhecimento especializado sufragado e praticado pelos peritos; vincular a administração tributária a um critério intersubjetivamente válido, permitindo uma objetivação da sua apreciação e do seu controlo pelos tribunais, nomeadamente em sede de proibição do excesso; permitindo um contraponto de controlo objetivável à propensão para prestação de garantia na modalidade de fiança, com efeitos de suspensão da execução fiscal; a
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