TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

519 acórdão n.º 338/18 ao direito sancionatório público, pelo que este princípio encontra, pois, aplicação também no processo con- traordenacional, como decorre dos n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição. Mais se afirmou que o estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presunção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo de todo o processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que o arguido seja tido como culpado antes de o tribunal formalizar o juízo sancionatório de forma necessariamente fundamentada. Ora, o entendimento da norma ora questionada como estabelecendo uma presunção inilidível da auto- ria do ilícito de não pagamento de taxas de portagem, não pode deixar de se ter como violadora do princípio da presunção da inocência. De facto, ao entender-se que a norma estabelece uma presunção inilidível da prática do ilícito, o arguido é tido como autor do mesmo independentemente da prova que possa vir a fazer em juízo destinada a demonstrar a sua inocência. Tal entendimento normativo afronta diretamente e de forma intolerável o princípio da presunção da inocência, já que o que tal norma determina é precisamente uma presunção inabalável de culpabilidade. Note-se que não é a simples previsão de uma presunção legal que comporta a violação do princípio agora em análise. Como se afirmou também no já citado Acórdão n.º 135/09, não se questiona a possibilidade de o legislador, mesmo em matéria sancionatória estabelecer presunções. O que é intolerável é a existência de presunções inilidíveis em contexto sancionatório, quando reportadas à autoria da prática de infrações. De facto, tais presunções inilidíveis traduzem-se em conclusões inabaláveis de autoria ou culpabilidade, que, por isso, sempre valerão independentemente de toda a prova que o arguido possa fazer e da convicção que o juiz possa firmar. Neste último ponto, importa sublinhar que o sentido do princípio da presunção da inocência influi diretamente sobre a apreciação da prova e sobre o princípio da livre convicção do julgador (assim, Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, “Anotação ao Artigo 32.º”, in Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, Universidade Católica Editora, 2017, p. 526). Ora, uma presunção inilidível sobre a prática de um ilícito não permite ao tribunal procurar a verdade ou relevar qual- quer prova sobre a autoria dos factos, nunca podendo, como afirma a decisão recorrida, fazer sequer atuar o princípio in dubio pro reo quando não se consiga firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos. Assim, quer por impedirem ao arguido afastar uma presunção de autoria de um ilícito, quer ainda por impedirem ao tribunal de formar livremente a sua convicção sobre a mesma, tal norma não pode deixar de violar o princípio da presunção da inocência. Termos em que se conclui que a norma constante do artigo 10.º, n.º 6, da Lei n.º 25/2006, quando interpretada no sentido de que estabelece uma presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independentemente da prova que sobre a autoria for feita mesmo em processo judicial, viola o princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da culpa, do direito de defesa em processo con- traordenacional, e do direito à tutela jurisdicional efetiva, constantes dos artigos 1.º, 32.º, n.º 10, e 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição, a norma contida no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, quando interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independentemente da prova que sobre a autoria for feita em processo judicial; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso. Sem custas.

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