TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
518 Neste contexto, também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem afirmou já que o princípio do contraditório, decorrente do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, implica a faculdade de as partes discutirem quaisquer elementos ou observações apresentados ao juiz, ainda que por outra auto- ridade pública, tendo em vista influenciar a sua decisão (acórdão de 20 de fevereiro de 1996, Lobo Machado c. Portugal, queixa n.º 15764/89, § 31). De outra perspetiva, o Tribunal Constitucional já afirmou que a tutela jurisdicional efetiva pressupõe um contencioso de âmbito pleno, em que não só as partes devem ser admitidas a invocar factos relevantes e trazer meios de prova para sustentar as suas pretensões, como ainda deve ser garantido ao Tribunal o poder efetivo de conhecer e ponderar esses factos e meios de prova. Trata-se da contrapartida do referido direito ao contraditório com o sentido material de “poder influenciar a decisão”. Nesse sentido, atente-se ao que têm afirmado diversos arestos (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 429/89 e 8/99) e a mais relevante doutrina: “o artigo 269.º, n.º 2 (atual artigo 268.º, n.º 4), da Constituição, pode e deve ser interpretado como estabelecendo uma garantia completa de recurso, quer dizer, uma garantia que assegura aos particulares a possibilidade de impugnarem judicialmente todos os atos singulares e concretos da Administração Pública que produzam efeitos jurídicos externos e sejam suscetíveis, portanto, de lesar os seus direitos”, pelo que “quaisquer normas legais que excluam esta possibilidade de impugnação relativamente a certos atos ou a certas categorias de atos administrativos ou que restrinjam os possíveis fundamentos de tal impugnação apenas a alguns dos vícios suscetíveis de gerar a antijuridicidade desses atos, têm de ser havidas como inconstitucionais, e, por via de consequência, como inteiramente irrelevantes” (José Manuel Cardoso da Costa, “A tutela dos direitos fundamentais”, in Boletim do Ministério da Justiça – Documentação e Direito Comparado , n.º 5, 1981, p. 209). Ou, na formulação de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira: “A garantia constitucional do recurso impede a isenção contenciosa de certos atos, ou partes de atos, ou a exclusão do conhecimento de certos vícios, de modo a conferir direito à impugnação contenciosa de todos os atos em todos os aspetos juridicamente vinculados” ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coim- bra, p. 938). Ora o entendimento amplo do direito à tutela jurisdicional efetiva acabado de expor não é minima- mente satisfeita na norma objeto do presente recurso. Entender a norma contida no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, no sentido de estabelecer uma presunção inilidível, independentemente da prova que sobre a autoria for feita mesmo em processo judicial, não permite ao arguido poder, através do recurso jurisdicional, alterar a decisão administrativa que foi tomada sobre a autoria do ilícito, através de prova que a invalide, nem permite ao tribunal conhecer desta última. Não se permite, em suma, exercício material de um direito de impugnação judicial que a Constituição confere ao administrado (acoimado) por ela visado (artigo 268.º, n.º 4), nem a garantia da tutela jurisdicional efetiva plasmada no artigo 20.º da Constituição. Razão que impõe um juízo de inconstitucionalidade, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, da norma contida no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, quando interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independente- mente da prova que sobre a autoria for feita mesmo em processo judicial. 16. Finalmente, a decisão recorrida alega ainda que o entendimento normativo sub iudicio comporta uma violação do princípio da presunção da inocência. A primeira questão que, neste contexto, importa analisar, é a de saber se o direito do arguido a que seja presumido inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenação, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, se estende, por força do disposto no n.º 10 do mesmo artigo, aos processos jurisdicionais de impugnação de contraordenações. A essa questão não pode deixar de se dar uma resposta afirmativa. No Acórdão n.º 397/17 e no Acór- dão n.º 675/16 afirmou-se que o princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis
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