TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

517 acórdão n.º 338/18 da tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos). Foi neste quadro que o Acórdão n.º 135/09 do Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o critério normativo segundo o qual o pagamento voluntário da coima por contraordenação rodoviária impossibilita o arguido de discutir em tribunal a própria existência da infração. Pode lerse em tal aresto que o direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. Mais acrescenta que “não se ignorando que serão menos intensas as preocupações garantísticas em processos contraordenacionais em comparação com o processo criminal (cfr. Acórdãos n. os 269/87 e 313/07), aquelas não podem, contudo, ser de tal modo desvalorizadas que ponham em cheque a própria efetividade da tutela jurisdicional e as exigências de um processo equitativo”. Volvendo ao caso presente, importa saber se viola tais garantias a norma objeto do presente recurso, tal como foi interpretada pelo tribunal recorrido, no sentido de não permitir ao arguido em recurso de impug- nação judicial da decisão administrativa sancionatória ilidir a presunção de responsabilidade. Afirmou, neste contexto, o Acórdão n.º 612/14, que, em processos contraordenacionais, o direito de acesso aos tribunais, satisfaz-se com a possibilidade, exercida pelo recorrente nos autos, de impugnar judicial- mente a decisão administrativa que lhe aplicou a coima, tal como especialmente garantido à generalidade dos administrados em face de atos administrativos que os lesem (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição). Poderia dizer-se que a garantia assim referida não é posta em causa pela norma objeto do presente recurso, já que ela não veda, em si, a possibilidade de se impugnar judicialmente a decisão administrativa – a qual, aliás, foi exercida no caso em presença. Mas, quer o direito de acesso a uma impugnação judicial de decisões administrativas que se queira efetiva, quer o próprio direito de acesso aos tribunais em geral – o qual reclama expressamente uma tutela jurisdicional efetiva – não se bastam com a simples garantia formal de acesso aos tribunais por parte dos administrados. De facto, da consagração do direito à tutela jurisdicional efetiva derivam vários corolários que se repercutem em exigências materiais que devem enformar a específica modelação dos processos e os direitos das partes. Um deles é o direito de defesa e do contraditório. Este direito pressupõe que cada uma das partes possa expor as suas razões perante o tribunal em condições que a não desfavoreçam em relação à parte contrária (Acórdão n.º 1193/96), e que, antes de o juiz decidir, cada uma delas possa expor as suas razões e apresentar provas que sustentem a sua pretensão, não podendo haver decisão sem que as mesmas tenham tido oportu- nidade de serem ouvidas sobre a matéria (Acórdão n.º 582/00). Ora, também no que toca ao respeito pelo princípio do contraditório – que em processo jurisdicional de impugnação de medida sancionatória assume a relevância de um verdadeiro direito de defesa – ele não se basta com a simples garantia de audição ou de apresentação de provas. O direito do contraditório e da defesa exigem que as partes não só tenham direito a apresentar razões, oferecer provas e tomar posição sobre as provas do adversário, mas ainda que, através desses meios, possam exercer uma influência efetiva na deci- são. Um princípio do contraditório que se baste com um momento processual formal de audição, sem que o mesmo possa ter qualquer relevância para a decisão, não garante materialmente que as posições das partes sejam efetivamente consideradas pelo decisor. Neste sentido, importa referir novamente o Acórdão n.º 135/09, em que o Tribunal Constitucional considerou que o critério normativo segundo o qual o pagamento voluntário da coima por contraordenação rodoviária impossibilitava ao arguido a possibilidade de discutir em tribunal a própria existência da infração não respeitava os requisitos constitucionais do acesso aos tribunais para tutela efetiva de direitos e interesses legalmente reconhecidos, através de um processo equitativo. Considerou-se, aí, precisamente, que a norma contraordenacional em causa previa uma presunção inilidível que punha em cheque a própria efetividade da tutela jurisdicional e as exigências de um processo equitativo. O Tribunal concluiu, em suma, que o critério normativo questionado não poderia deixar de ser encarado como representando uma verdadeira impossibi- lidade de impugnação do ato administrativo.

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