TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

516 De resto, tal solução legal não se afigura minimamente proporcional às pretensões do legislador: obter o pagamento de taxas de portagem e a responsabilização contraordenacional pela falta desse pagamento. Como acima se verificou, por infrações mais graves ( v. g. , infrações estradais), a lei não estabelece qualquer presunção juris et de iure de responsabilização contraordenacional. Face ao exposto resta concluir, pois, que a presunção inilidível, em sede de processo judicial, de respon- sabilidade do titular do documento de identificação do veículo ou do locatário que resulta do decurso do prazo previsto na lei para a indicação do condutor, viola o conteúdo mínimo do princípio da culpa. 14. E se o princípio da culpa sai afrontado com a dimensão normativa ora em discussão, a norma desa- plicada pela decisão recorrida poderá afrontar ainda a garantia do direito de defesa em processo jurisdicional de impugnação de contraordenações. A decisão recorrida invocou a violação do artigo 32.º, n.º 10, da Cons- tituição e das garantias de acesso à tutela jurisdicional efetiva, previstas no artigo 20.º, n. os 1 e 4, da mesma Lei Fundamental. No que diz respeito ao n.º 10 do artigo 32.º, referiu-se no Acórdão n.º 180/14 que o mesmo releva “no plano adjetivo e significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção contraordenacional ou administrativa sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 363, e Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 160/04 e 161/04)”. Por outro lado, tem-se referido que “com a introdução dessa norma constitucional (efetuada, pela revi- são constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (…). Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, admi- nistrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (…)” – Acórdão n.º 659/06. No Acórdão n.º 469/97, o Tribunal Constitucional afirmou que as exigências decorrentes do n.º 10 do artigo 32.º valem não apenas para a fase administrativa, mas também para a fase jurisdicional do processo, sublinhando-se que “não fará sentido aceitar que os mesmos não tenham projeção na fase recursória pos- terior, que corresponde à jurisdicionalização daquele processo. Na verdade, esta segunda fase significa um reforço das garantias do particular a quem é imputada determinada infração e seria incongruente introduzir nela alguma modulação que não fosse no sentido do acréscimo daquelas mesmas particulares garantias que a Constituição expressamente consagrou neste domínio”. O acórdão referido referiu, inclusivamente, que esta “matéria é precisamente daquelas em que mais proximidade entre os dois ordenamentos processuais deverá existir”, reportando-se às garantias do processo criminal e contraordenacional. No entanto, em acórdãos pos- teriores, o Tribunal Constitucional já veio considerar que a sede adequada da análise da eventual violação de direitos de defesa em processo jurisdicional se situava no contexto do respeito pelas garantias consagradas nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP. Assim se afirmou no Acórdão n.º 135/09, que considerou ser “descabida a invocação, para esta fase, do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP”. 15. Seguindo a jurisprudência mais recente importa, pois, confrontar a norma em presença com o direito de impugnação de decisões sancionatórias perante os tribunais – direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. De facto, na sequência da impugnação perante os tribunais de decisões administrativas, os proces- sos contraordenacionais entram na “fase jurisdicional”, gozando os arguidos, aí impugnantes, das genéri- cas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referidas no artigo 20.º (garantia de processo equitativo), quer ainda, mais especificamente, no artigo 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados

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