TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
515 acórdão n.º 338/18 Por outro lado, no que ao conceito amplo de autoria respeita, tal conceito assenta ainda numa exigência causal, apenas podendo ser considerado autor de uma contraordenação quem tiver contribuído para a reali- zação do tipo, tendo dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito. Daqui podemos retirar um conteúdo mínimo do princípio da culpa, assente na exigência de um nexo causal mínimo entre o autor e a prática da contraordenação em causa. 12. Resta, pois, verificar se tal conteúdo mínimo do princípio da culpa, atuante no contexto da respon- sabilidade contraordenacional, é lesado com a norma delimitada como constituindo o objeto do presente recurso. OTribunal interpretou a norma objeto do presente recurso no sentido de que, sempre que não for possí- vel identificar o condutor do veículo no momento da prática da contraordenação, é sempre responsável pelo pagamento das coimas a aplicar, das taxas de portagem e dos custos administrativos em dívida, o proprietário do veículo, identificado no registo, tornando-se essa presunção inilidível em sede do próprio processo judi- cial de impugnação da decisão administrativa. Ora, ainda que se considere que o princípio da culpa não reveste o mesmo significado em matéria con- traordenacional, tal interpretação afronta, de facto, o conteúdo mínimo de tal princípio. A interpretação em causa impõe a responsabilidade do proprietário registado do veículo que faltou ao pagamento da coima e das custas, independentemente da sua real participação nos factos e mesmo na ausência de qualquer ligação com o autor da infração à data dos mesmos. Ou seja, a mencionada interpretação impõe a responsabiliza- ção de quem pode não ter tido qualquer participação, conexão ou ainda aproveitamento pessoal dos factos praticados. Perante tal resultado, e recuperando a específica configuração dos princípios da culpa e da proibição de transferência de responsabilidade sancionatória no domínio contraordenacional, bem como o maior poder de conformação do legislador nesta matéria, a análise da solução legal far-se-á, então, tendo em consideração os interesses públicos que a mesma visa acautelar, de forma a determinar se o legislador ultrapassou a sua margem de conformação com a norma em causa. 13. Aqui chegados, como bem se referiu na sentença recorrida, ao contrário do que sucede com as nor- mas de responsabilidade contraordenacional em infrações rodoviárias – que prevêem uma responsabilidade meramente subsidiária do titular do documento de identificação do veículo (ou do locatário) pelo paga- mento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação, e ainda a possibilidade do exercício do direito de regresso contra o autor da contraordenação, caso tenha havido detenção abusiva do veículo (artigo 135.º, n.º 8, do Código da Estrada) – a norma ora sindicada, relativa à falta de pagamento de taxa de portagem, não estabelece qualquer responsabilidade subsidiária do titular do documento de identifi- cação do veículo pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação. Mais: na interpretação sub judice , caso aquele titular não identifique outra pessoa num prazo de 30 dias, não lhe é mais permitido ilidir a presunção da sua responsabilidade, mesmo em sede de impugnação judicial. Interpretada da forma como o foi pelo tribunal recorrido, a presente norma pode impor a responsabili- dade pelo pagamento dos valores devidos pela portagem e contraordenação a quem não tenha qualquer liga- ção com o autor da prática da infração. De facto, ainda de acordo com a referida interpretação, decorrido o referido prazo de quinze dias, o ex-proprietário do veículo – ainda que comprovada a venda do mesmo, mas não se encontrando a mesma registada –, responderá sempre pela prática das contraordenações em causa, decorrido o aludido prazo. Ora, tal responsabilização faz perigar o núcleo essencial do princípio da culpa que, ainda que em matéria de contraordenações, se impõe ser reconhecido, sob pena de postergar um mínimo de previsibilidade sobre as consequências dos comportamentos individuais, o que é insustentável num Estado de direito.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=