TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
513 acórdão n.º 338/18 ocorrer de qualquer forma (cfr. Frederico Lacerda da Costa Pinto, em “O ilícito de mera ordenação social”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 1, pp. 25-26). Em adoção desse conceito, foram vários os acórdãos que não julgaram inconstitucionais normas que imputavam a responsabilidade contraordenacional a quem não era autor direto dos factos. Assim, no Acór- dão n.º 45/14, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 13.º, n. os 1 e 2, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, aí tendo referido que: “(…) o relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contraordena- cional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especial- mente percetível nos casos em que os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa. Esta construção é uma decorrência lógica da existência no direito de mera ordenação social de normas de dever, cujo incumprimento é sancionado com coimas. Se o sistema impõe deveres a um leque alargado de destinatários é porque lhes reconhece capacidade para os cumprir e também para os violar. Daí que, apurando-se a violação do dever legalmente estabelecido os destinatários do mesmo serão responsáveis por essa violação. É nesta lógica que, em casos como este, a regra de imputação colocada pelo conceito extensivo de autor condu- zirá à responsabilização da entidade dirigente titular do dever de garante sempre que se tenha verificado o resultado (a inobservância do dever) que ela se encontrava legalmente incumbida de evitar. Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, ela é contraordenacio- nalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por ação sua, tiver originado diretamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infração é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa atividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada, a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela atividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos. Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contraordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu condutor pudesse ter cum- prido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção.” (Frederico Lacerda da Costa Pinto na ob. cit. , pág.48)”. 10. No que toca ao uso de presunções, as presunções legais – como releva para o caso sub judice – são normas criadas pelo legislador que estabelecem uma relação entre um facto conhecido (provado) e um facto desconhecido ou incerto, inferindo este último a partir daquele [isto, tendo presente a noção legal de presun- ção contida no artigo 349.º do Código Civil: presunções são as ilações que a lei (…) tira de um facto conhe- cido para firmar um facto desconhecido]. Ou seja, a presunção assenta numa relação lógica estabelecida pelo legislador entre o facto-base ou facto indiciário e o facto presumido. A presunção legal opera uma inversão do ónus da prova, desonerando desta, aqueles que têm a presun- ção a seu favor (Acórdão n.º 211/17). Por regra, as presunções legais estabelecem uma verdade presumida (não provada) que poderá vir a ser infirmada mediante prova em contrário – presunções ilidíveis ou presun- ções iuris tantum ; já as presunções iuris et de iure não admitem prova em contrário, sendo assim também chamadas de presunções inilidíveis ou absolutas, e tidas como a exceção àquela regra (artigo 350.º, n. os 1 e 2, do Código Civil). Ora, no que tange às presunções em matéria sancionatória, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 276/04, procedeu a uma interpretação conforme à Constituição do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do
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