TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
511 acórdão n.º 338/18 culpa, como a jurídico-penal baseada numa censura ética dirigida à pessoa do agente, à sua abstrata intenção, mas apenas de uma imputação do ato à responsabilidade social do seu autor”. Por seu turno, o Acórdão n.º 201/14 não deixou de sublinhar que “retira-se da jurisprudência do Tribu- nal Constitucional que o princípio da culpa se impõe também como limite à liberdade de conformação do legislador do ilícito contraordenacional, ainda que a margem dessa liberdade seja maior relativamente àquela de que este dispõe na configuração do ilícito penal, designadamente no que se refere à definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção”. Ou seja, apesar de todas as diferenças de conteúdo e significado que o princípio da culpa assume no domínio contraordenacional, sempre se dirá que, ainda assim, o mesmo atua como limite da responsa- bilidade contraordenacional, assumindo aí, contudo, um diferente sentido e conteúdo. Neste particular, o Acórdão n.º 180/14 afirmou que a culpa, nesse contexto, se traduz na ideia de “imputação do facto à responsabilidade social do seu autor, que serve como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas”. 8. Assumindo o princípio da culpa diferente alcance no domínio das contraordenações, o legislador dispõe, na configuração dos concretos ilícitos, de uma maior margem de conformação. Tal margem de con- formação projeta-se, nomeadamente, no contexto dos pressupostos da imputação. Neste contexto, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de analisar várias normas que imputa- vam a responsabilidade contraordenacional a quem não tinha sido autor direto do facto. Assim, foi já anali- sada a constitucionalidade de várias normas que procediam à transferência da responsabilidade pela prática de contraordenações. O Acórdão n.º 201/14 pronunciou-se sobre a constitucionalidade da norma ínsita no n.º 3 do artigo 551.º, nos termos da qual, no âmbito de contraordenações laborais, se o infrator for pessoa coletiva ou equi- parada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respetivos administradores, gerentes ou diretores. O referido aresto não rejeitou que o princípio da intransmissibilidade da responsabi- lidade penal possa assumir valência no domínio contraordenacional, embora “não ‘com o mesmo rigor’ ou ‘com o mesmo grau de exigência’ com que vale para o domínio criminal, mas apenas na sua ‘ideia essencial’”. Este aresto assentou, sobretudo, num juízo de ponderação, que levou à conclusão de que a responsabilização solidária dos gerentes, administradores ou diretores de pessoa coletiva, ou equiparada, pelo pagamento de coima laboral, encontra justificação como medida necessária para conferir adequada efetividade aos direitos dos trabalhadores consagrados na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Referiu-se aí: «(...) prima facie , também no domínio contraordenacional valerá o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade, devendo tal princípio ser tido em conta na ponderação efetuada, desde logo, pelo legislador na configuração do ilícito contraordenacional. Por sua vez, deve o Tribunal Constitucional, ao apreciar a conformidade constitucional de uma norma em matéria contraordenacional, verificar se, na ponderação efetuada em sede legislativa, o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade foi devidamente integrado. No que respeita ao critério de densidade de controlo, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional já referida, que, no domínio contraordenacional, é de reconhecer um maior poder de conformação do legislador, o que vale por dizer que deve o Tribunal limitar-se a um controlo de evidência. Ora, a norma sub judicio , ao comprimir, é certo, o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade, fá-lo em observância de deveres estaduais de proteção ou de prestação de normas, impendentes sobre o legislador ordinário, destinados a proteger bens jusfundamentais face a potenciais agressões provindas de terceiros, que se extraem do artigo 59.º, n.º 1, alínea c) da Constituição.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=