TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
509 acórdão n.º 338/18 6 – O direito de ilidir a presunção de responsabilidade prevista no n.º 3, considera-se definitivamente preclu- dido caso não seja exercido no prazo referido no n.º 1. Não obstante o objeto do recurso de constitucionalidade vir definido como constituindo a norma inte- grada no n.º 6 deste artigo, na sua totalidade, importa delimitar o mesmo ao específico sentido normativo com que ela foi desaplicada na sentença recorrida. Assim, apesar de tecer algumas considerações sobre a norma em geral – no que toca, por exemplo, à pre- sunção da prática da contraordenação antes do próprio levantamento do auto de notícia –, em boa verdade, a verdadeira desaplicação da norma extraída do n.º 6 do referido artigo 10.º foi operada na sentença recorrida com o sentido que a seguir se transcreve: “uma norma legal que impõe a responsabilidade do agente no paga- mento da coima e das custas (normalmente o proprietário registado do veículo que transpôs a portagem), independentemente da sua real participação nos factos e da prova que sobre isso for feita mesmo em processo judicial, sempre implicaria que o tribunal nunca pudesse relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos ou nunca pudesse sequer fazer atuar o princípio in dubio pro reo quando não conseguisse firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos pelo arguido”. Ou seja, na sentença recorrida não se julgou inconstitucional a referida norma no sentido de estabelecer uma presunção inilidível anterior ou concomitante ao levantamento de auto de notícia, cuja validade nem sequer é questionada, mas apenas no que toca à atuação da presunção legal em sede de impugnação judicial da decisão administrativa de condenação pela prática da contraordenação. O tribunal a quo considera que a norma impug- nada o impede de relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos ou, em caso de dúvida, fazer atuar o princípio in dubio pro reo . É, pois, no contexto de um processo judicial que o tribunal recorrido desaplica a norma por inconstitucionalidade, considerando que nesse processo a arguida deve ser admitida a ilidir a presunção. Posto isto, cumpre delimitar o objeto do recurso à norma constante do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, quando interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independentemente da prova que sobre a autoria for feita em processo judicial. Mérito do recurso 6. No entender do tribunal a quo, a norma do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, viola três parâmetros constitucionais: (i) o princípio da culpa, implícito na subordinação da lei à dignidade humana, na medida em que impõe uma responsabili- dade objetiva, inilidível, em matéria sancionatória; (ii) o princípio do direito de defesa em processo contraor- denacional, na medida em que não permite ao arguido provar a autoria efetiva dos factos; (iii) e o princípio de presunção de inocência, porque não permite ao Tribunal atuar o princípio in dubio pro reo . Estando em causa garantias constitucionais em matéria de contraordenações, importa começar por ana- lisar os traços gerais da jurisprudência constitucional sobre o assunto. Tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que as garantias constitucionais previstas no artigo 32.º da Constituição (CRP) se aplicam no domínio das contraordenações com algumas adaptações. Neste sentido, tem-se considerado que o legislador dispõe de uma margem de apreciação mais ampla no âmbito das contraordenações. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 231/79, de 24 de julho, que introduziu o ilícito de mera ordenação social na ordem jurídica portuguesa, começou por se afirmar que «hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contraordenação “é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e as reações que lhe cabem não são direta- mente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal” [...]. Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal. Não é, por isso, admissível qualquer forma de prisão preventiva ou sancionatória, nem sequer a pena de multa
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