TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
507 acórdão n.º 338/18 8.ª Violação tanto mais impressiva e desrazoável, quando posta em confronto, como se procede na sentença, com normas paralelas de responsabilidade contraordenacional em matéria de infrações rodoviárias, algumas pas- síveis de maior censura social, ou quando, inscrevendo-se o regime sancionatório estabelecido na Lei 25/2006 no quadro do RGIT (art. 18.º da mesma lei), neste sempre a verificação de um facto culposo é exigido (arts. 2.º e 24.º, n.º 1 do RGIT). 9.ª Quanto à violação da garantia do direito de defesa (art. 30.º, n.º 10 da Constituição), em causa, verdadei- ramente, os descritos amputados termos em que o recurso judicial da decisão de aplicação da coima é admitido: o exame da questão adequar-se-á em sede das garantias de tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição) e de impugnação dos atos administrativos sancionatórios perante os tribunais (art. 268.º, n.º 4 da Constituição). 10.ª Presente a insofrível limitação de que padece a impugnação judicial, na dimensão interpretativa, expressa na sentença, da norma em causa – «a responsabilidade do agente no pagamento da coima», presumida juris et de jure , «independentemente da sua real participação nos factos e da prova que sobre isso for feita mesmo em processo judicial, sempre implicaria que o Tribunal nunca pudesse relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos» –, que nega ao arguido o cerne da sua defesa, a possibilidade de discutir a responsabilidade que lhe é administrativamente imputada, mostrar-se-á ela claramente violadora das apontadas garantias constitucionais. 11.ª No retomar da mesma linha, com diferença de grau – «sempre implicaria que o Tribunal nunca pudesse relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos ou nunca pudesse sequer fazer atuar o princípio in dubio pro reo quando não conseguisse firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos pelo arguido» –, igualmente se abrirá a possibilidade de verificação de violação do princípio in dubio pro reo , decorrente do princípio de presunção de inocência do arguido (art. 32.º, n.º 2 da Constituição). 12.ª No sentido da aplicação do princípio da presunção de inocência do arguido a demais procedimentos san- cionatórios, designadamente no domínio contraordenacional, Acórdãos 103/87 e 301/97. 13.ª Assim como o legislador, à luz do art. 32.º, n.º 2 da Constituição, «não deve construir as normas penais de tal modo que, através das suas formulações, possa o cometimento do crime presumir-se» (Acs. 270/87, 426/91, 135/92, 252/92, 246/96, 604/97, 609/99 e 377/15), também a aplicação desse núcleo essencial o deverá limitar em matéria contraordenacional. 14.ª Corroborados os parâmetros de avaliação de (in)constitucionalidade da norma contida no n.º 6 do art. 10.º da Lei 25/2006, na interpretação autoenunciada na decisão recorrida, interessa, no caso, examinar se tal inter- pretação se deverá, porventura, ter como mais adequada, sub specie constitutionis. 15.ª «Entre uma interpretação que é conforme à Constituição e outra que com ela é incompatível, o intérprete (juiz incluído) deve preferir sempre o sentido que o texto constitucional suporta. Se o não fizer e desaplicar a norma legal com fundamento em inconstitucionalidade, no recurso que subir ao Tribunal Constitucional, deve este fixar o sentido da norma que é compatível com a Constituição, e mandar aplicar esta no processo com tal interpretação» (Acs. 163/95, 198/95, 609/95 e 276/04). 16.ª O regime sancionatório estabelecido na Lei 25/2006 inscreve-se no quadro do RGIT (art. 18.º da mesma lei), neste sempre a verificação de um facto culposo sendo exigido (arts. 2.º e 24.º, n.º 1 do RGIT). 17.ª Estruturalmente, «o processo contraordenacional tem uma fase administrativa e, no caso de impugnação da decisão aplicada nesta fase, segue-se uma fase jurisdicional em que o arguido dispõe não apenas da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão, mas também de um conjunto de amplas faculdades de exercício do seu direito de defesa e de contraditório. A impugnação dá lugar, não a um recurso propriamente dito, mas a um novo processo de natureza jurisdicional». 18.ª O art. 10.º da Lei 25/2006 situa-se na fase administrativa do processo de aplicação da coima – o seu n.º 6 tão só consagra o princípio de preclusão procedimental em matéria de ilisão da presunção estabelecida no mesmo artigo, em vista ao ordenado prosseguimento da instrução. 19.ª Disposição que não alcança o regime aplicável à fase judicial – nem a Lei 25/2006 editou qualquer norma a esta concernente: regem, quanto ao recurso judicial da aplicação administrativa da coima, os arts. 80.º e ss. do
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