TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

506 2. Por entender que “ao determinar a existência de uma responsabilidade objetiva, inlidível, em matéria de direito sancionatório (que a Constituição implicitamente equipara à matéria penal,), viola o princípio da culpa, implícito na subordinação da Lei à dignidade humanam bem como o princípio do direito de defesa em processo de contraordenação consagrado na Lei Fundamental (artigos 1.º e 32.º, n.º 10 da Constituição da República Por- tuguesa) e poderá ainda violar o princípio in dubio pro reo decorrente do princípio de presunção de inocência do arguido consagrado no art.º 32.º, n.º 2 da Constituição”. 3. Notificado para o efeito, o Ministério alegou, concluindo da seguinte forma: «1.ª Recurso obrigatório do Ministério Público interposto da sentença proferida em 15 de dezembro de 2015, no Proc. 246/15.7BECBR, pela Exma. Juíza da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coim- bra, em que vem decidido «que a norma prevista no artigo 10.º, n.º 6, da Lei n.º 25/2006, ao determinar a existência de uma responsabilidade objetiva, inilidível, em matéria de direito sancionatório (que a Constituição implicitamente equipara à matéria penal), viola o princípio da culpa, implícito na subordinação da Lei à dignidade humana, bem como o princípio do direito de defesa em processo de contraordenação consagrado na Lei Funda- mental (artigos 1.º e 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa) e poderá ainda violar o princípio in dubio pro reo decorrente do princípio de presunção de inocência do arguido consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição», tendo-a, com os enunciados fundamentos, desaplicado. 2.ª A Lei 25/2006, de 30 de junho, aprova o regime sancionatório aplicável às contraordenações (anterior- mente previstas e punidas como contravenções e transgressões) ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias, onde seja devido o pagamento de taxas de portagem. 3.ª A sentença recorrida declara a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 6 do art. 10.º da Lei 25/2006, à luz de três fundamentos distintos, o último deles hipoteticamente enunciado: (i) violação do princípio da culpa, fundado na dignidade da pessoa humana – art. 1.º da Constituição, podendo, ainda, oficiosamente, convocar-se o seu art. 25.º, n.º 1; (ii) violação da garantia do direito de defesa, em processo de contraordenação – art. 32.º, n.º 10 da Constituição e (iii) violação do princípio in dubio pro reo , decorrente do princípio de presunção de inocência do arguido – art. 32.º, n.º 2 da Constituição. 4.ª «Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal […]. A diferença de “princípios jurídico constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contraordenações” reflete-se “no regime processual próprio de cada um desses ilícitos”, não exigindo “um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal, inscrevendo se assim no âmbito da liberdade de conformação legislativa própria do legislador”» (Acs. 659/06 e 373/15). 5.ª Por outro lado, a jurisprudência «também tem sublinhado que a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal é conciliável com “a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar den- tro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal” (Acs. n.º 469/97, 278/99 e 373/15). 6.ª «[…] retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional que o princípio da culpa se impõe também como limite à liberdade de conformação do legislador do ilícito contraordenacional, ainda que a margem dessa liberdade seja maior relativamente àquela de que este dispõe na configuração do ilícito penal, designadamente no que se refere à definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção» (Ac. 201/14). 7.ª A norma constante do n.º 6 do art. 10.º da Lei 25/2006, «ao determinar a existência de uma responsabi- lidade objetiva, inilidível», radicalmente e nos precisos termos em que é na sentença interpretada, viola, à luz da jurisprudência considerada, o princípio da culpa, que o legislador está obrigado a respeitar, na conformação do ilícito contraordenacional em causa.

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