TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

505 acórdão n.º 338/18 baseada nas regras da experiência e da vida (cfr. art.º 351.º do Código Civil). Ora, não sendo a recorrente pro- prietária do veículo ao tempo dos factos, presumindo-se que não o possuía ou detinha então, e não tendo ficado provado que era ela que o conduzia naquele momento (cfr. facto não provado), não se lhe pode imputar qualquer responsabilidade contraordenacional pelas infrações em apreço. Não obstante, esta conclusão sempre esbarraria com uma presunção legal inilidível prevista no artigo 10.º, n.º 6, da Lei n.º 25/2006, que, a nosso ver, é manifestamente inconstitucional e, por essa mesma razão, se desapli- cará no caso em apreço, Prevê-se nesse artigo que é sempre responsável pelo pagamento das coimas a aplicar “o proprietário, o adqui- rente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário em regime de locação financeira ou o detentor do veículo”, consoante seja o titular do documento de identificação do veículo, se o mesmo não identificar o condu- tor do veículo no prazo de 15 dias úteis após ter sido notificado para o efeito, ou não provar, no mesmo prazo, a utilização abusiva do veículo por terceiros: “[o] direito de ilidir a presunção de responsabilidade prevista no n.º 3, considera-se definitivamente precludido caso não seja exercido no prazo referido no n.º 1”. Ora, a preclusão de ilisão da presunção de responsabilidade contraordenacional em momento prévio ao próprio levantamento do auto de notícia não só viola o princípio de defesa do arguido em processo de contraordenação (cfr. art.º 32.º, n.º 10, da CRP), como inclusivamente o princípio da dignidade da pessoa humana (cfr. art.º 1.º da CRP), que sempre impõe a estruturação do direito sancionatório a partir do facto e não das qualidades do agente. É que, ao contrário do que sucede com as normas de responsabilidade contraordenacional em infrações rodo- viárias (em que o artigo 10.º da Lei n.º 25/2006 claramente se inspirou), nas quais é prevista uma mera respon- sabilidade subsidiária do titular do documento de identificação do veículo (ou do locatário) pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação, e ainda a possibilidade de exercício do direito de regresso contra o autor da contraordenação quando haja utilização abusiva do veículo (cfr. art.º 135.º, n.º 8, do Código da Estrada); nas normas de responsabilidade contraordenacional por falta de pagamento de taxa de portagem não só não é prevista qualquer responsabilidade subsidiária do titular do documento de identificação do veículo pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação, como inclusi- vamente se estabelece uma preclusão de ilisão da presunção da sua responsabilidade quando não identifique outra pessoa num prazo de 15 dias. Ora, uma norma legal que impõe a responsabilidade do agente no pagamento da coima e das custas (normal- mente o proprietário registado do veículo que transpôs a portagem), independentemente da sua real participação nos factos e da prova que sobre isso for feita mesmo em processo judicial, sempre implicaria que o tribunal nunca pudesse relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos ou nunca pudesse sequer fazer atuar o princípio in dubio pro reo quando não conseguisse firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos pelo arguido. Pelo que se entende que a norma prevista no artigo 10.º, n.º 6, da Lei n.º 25/2006, ao determinar a existência de uma responsabilidade objetiva, inilidível, em matéria de direito sancionatório (que a Constituição implicita- mente equipara à matéria penal), viola o princípio da culpa, implícito na subordinação da Lei à dignidade humana, bem como o princípio do direito de defesa em processo de contraordenação consagrado na Lei Fundamental (arti- gos 1.º e 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa) e poderá ainda violar o princípio in dubio pro reo decorrente do princípio de presunção de inocência do arguido consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição. E por estas mesmas razões desaplica-se a visada norma no caso em apreço, considerando-se que a ora recorrente ilidiu a presunção da sua responsabilidade pela prática das contraordenações pelas quais foi condenada”. 2. Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), em requerimento do seguinte teor: “(...) 1. A Mma Juíza desaplicou a norma prevista no art.º 10.º, n.º 6 da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro,

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