TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

504 inilidível da autoria do ilícito de não pagamento de taxas de portagem, não pode deixar de se ter como violadora do princípio da presunção da inocência; ao entender-se que a norma estabelece uma presunção inilidível da prática do ilícito, o arguido é tido como autor do mesmo independentemente da prova que possa vir a fazer em juízo destinada a demonstrar a sua inocência, o que afronta direta- mente e de forma intolerável o princípio da presunção da inocência, já que o que tal norma determina é precisamente uma presunção inabalável de culpabilidade; uma presunção inilidível sobre a prática de um ilícito não permite ao tribunal procurar a verdade ou relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos, nunca podendo fazer sequer atuar o princípio in dubio pro reo quando não se consiga firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos; quer por impedirem ao arguido afastar uma presunção de autoria de um ilícito, quer ainda por impedirem ao tribunal de formar livremente a sua convicção sobre a mesma, tal norma não pode deixar de violar o princípio da presunção da inocência, consagra- do no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A. impugnou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, as decisões do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra – 1, proferidas em processo de contraordenação, que lhe aplicaram quatro coimas, cada uma no valor de € 26,30, por falta de pagamento de taxas de portagem.  Por sentença de 15 de dezembro de 2015, foi o recurso julgado procedente, tendo o tribunal desapli- cado, por inconstitucionalidade, a norma decorrente do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, e, em consequência, absolvido a recorrente da prática das infrações em causa. A fundamentação sentença, na parte relevante, tem o seguinte teor: “(...) desde o ano de 2001 que a pessoa que transfira para outrem a posse efetiva do veículo, a qualquer título jurídico, deve comunicar tal facto à autoridade competente para a matrícula, no prazo de 30 dias a contar da aqui- sição ou constituição do direito, identificando o adquirente ou a pessoa a favor de quem seja constituído o direito (cfr. artigo 118.º, n. os 3 e 4 do Código da Estrada, alterado então pelo Dec.-Lei n.º 162/2001, de 22.05). Tais deveres de comunicação e de registo, quando não cumpridos, sempre levarão a que a realidade dos factos seja diferente da realidade constante do livrete e/ou do registo automóvel, o que coloca a questão de saber se o que vale juridicamente é a informação que consta do registo, sem mais. Ora, como vimos já, o registo constitui mera presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que se encontra registado, sendo tal presunção registral ilidível mediante prova em contrário, configurando-se assim como uma presunção juris tantum e não como uma presunção juris et de jure (cfr. art.º 350.º do Código Civil). In casu , é certo que a propriedade do veículo em causa estava, ao tempo das infrações, registada em nome da ora recorrente (cfr. facto provado sob o ponto 7.). Não obstante, comprovou-se que a recorrente havia vendido o mesmo em momento anterior aos factos cuja responsabilidade lhe foi imputada (cfr. facto provado sob o ponto 6.). Pelo que, pese embora seja ela quem consta no registo automóvel como proprietária do veículo em causa ao tempo dos factos, sempre é de considerar que ilidiu a presunção decorrente das normas do registo automóvel. E assim sendo, presume-se que tenha deixado de possuir ou simplesmente deter o visado veículo desde o momento da sua venda. Presunção judicial, porque admitida pelo ora julgador enquanto presunção de facto

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