TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

498 Como se afirma no Acórdão n.º 123/18: «[P]arece difícil negar que (a possibilidade) de execução imediata de uma sanção baseada em condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presunção de inocência. A extensão do princípio da presunção de inocência aos processos contraordenacionais implica que o arguido deve ser presumido inocente – o que significa, desde logo, que não deverá sofrer qualquer sanção punitiva –, até que se verifiquem uma de duas condições: a consolidação da condenação administrativa pelo facto da sua não impugnação dentro do prazo previsto na lei ou a confirmação da condenação administrativa no âmbito de recurso judicial interposto pelo arguido. A execução da sanção pressupõe a «culpa» do visado, a que é inevitavelmente presumida sempre que a condenação encerre um juízo de responsabilidade que a ordem jurídica reputa provisório, ainda para mais quando seja proferido por uma entidade administrativa. Em suma, a solução legal permite que o arguido apenas provisoriamente condenado seja sujeito a tratamento idêntico ao do arguido cuja condenação é definitiva.» Tal como se decidiu no Acórdão n.º 728/17, a medida legislativa questionada, no sentido em que deter- mina que o recurso das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolutivo, fixando a atribuição de efeito suspensivo à prestação de caução e alegação de prejuízo considerável, para o recorrente, decorrente da execução da decisão, na medida em que comporta uma compressão do princípio de presunção da inocência, encontra-se sujeita ao regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias: para além dos limites substantivos à restrição, a Constituição exige uma superior legitimidade democrática no ato de compressão daqueles direitos, razão pela qual exige que seja «a lei» (n.º 2 do artigo 18.º) a limitar o seu conteúdo, salvo autorização ao Governo [alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º]. Dito de outro modo: a restrição dos direitos, liberdades e garantias apenas pode dar-se por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo no uso de uma autorização legislativa. Nestes termos, as eventuais restrições que o direito ordinário pretenda estabelecer ao respetivo âmbito de proteção constituem competência parlamentar exclusiva. Consequentemente, estando em causa a compressão de um direito, liberdade e garantia, através de uma norma que integra um decreto-lei do Governo não autorizado, verifica-se a violação da reserva legislativa da Assembleia da República prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP. 10. Cumpre assim concluir que a norma do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, no sentido em que determina que o recurso de impugnação das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolu- tivo, fixando a atribuição de efeito suspensivo à prestação de caução e alegação de prejuízo considerável, para o recorrente, decorrente da execução da decisão, é organicamente inconstitucional por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República constante das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 11. Assente o julgamento de inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada, com a con- sequente improcedência do recurso, dispensável se torna proceder ao seu confronto com outros parâmetros constitucionais, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de mérito dos demais fundamentos invocados (artigo 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 69.º da LTC).

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