TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

485 acórdão n.º 333/18 Finalmente, não é possível afirmar que a norma em causa ao definir como regra a recolha de ADN em condenados em penas de prisão iguais ou superiores a três anos, traduz uma opção excessiva ou despropor- cionada para atingir os fins visados. Na ponderação a empreender, será relevante considerar, desde logo, o grau de intensidade da ingerência nos direitos fundamentais afetados (a recolha de amostras é feita de um modo geral através de zaragatoa bucal) sendo correspondente a densidade das razões exigíveis para justificar a ingerência tendo em vista a prossecução eficaz do interesse público visado. Ora, apesar de a simples zaragatoa bucal para aquisição de amostra de saliva implicar uma ingerência na integridade pessoal do visado, trata-se, ainda assim de uma ingerência de intensidade não muito acentuada. Além da natureza relativamente pouco acentuada da ingerência nos direitos fundamentais afetados, será de considerar ainda o período temporal limitado de conservação dos dados, após o qual os dados são eliminados. Como já se referiu, neste caso os perfis são eliminados na mesma data em que se proceda ao can- celamento definitivo das respetivas decisões no registo criminal [artigo 26.º, n.º 1, alínea f ) , da LBDADN]. Finalmente, relevante é ainda a circunstância de o objetivo da recolha, estar necessariamente restringido à utilização dos marcadores de ADN não codificante isto é, aos marcadores que, de acordo com os conhe- cimentos científicos existentes, sejam absolutamente necessários à identificação do seu titular, permitindo a identificação mas não à obtenção de informação de saúde ou de características hereditárias específicas do arguido. Trata-se da fixação de um perfil genético meramente para comparação com vestígios colhidos no local do crime, ficando à partida delimitado o âmbito do exame e excluída a possibilidade de aceder a infor- mação sensível que exceda a absolutamente indispensável ao fim visado, ou seja, à comparabilidade referida. 25. Não se ignora que a afirmação da proporcionalidade da concordância das restrições a direitos indivi- duais implicada na intrusão corporal em causa pode não dispensar, por vezes, a verificação de certos elemen- tos específicos, como a gravidade do crime investigado ou o grau de censura, ou concernentes às circunstân- cias pessoais do arguido, como o seu estado de saúde, entre outros, implicando uma apreciação em concreto que só o juiz pode empreender. Mas o artigo 8.º, n.º 6, prevê essa possibilidade ao estabelecer que «Quando se trate de arguido em vários processos, simultâneos ou sucessivos, pode ser dispensada a recolha da amostra, mediante despacho judicial, sempre que não tenham decorrido cinco anos desde a primeira recolha e, em qualquer caso, quando a recolha se mostre desnecessária ou inviável». Neste contexto, é desde logo possível perspetivar que a natureza de certos crimes torne difícil justificar a aptidão da recolha de ADN para a identificação dos seus autores. É o caso, designadamente, dos crimes informáticos. Mas nem por isso fica necessariamente afastada a pertinência na recolha, tendo em conta todo os circunstancialismos apurados no caso, e designadamente os aspetos referentes à personalidade e condições pessoais do agente. É precisamente para estes casos em que seja evidenciada a desnecessidade da recolha da amostra de ADN, pela natureza do crime praticado ou por qualquer outra razão atinente ao caso concreto, como seja por exemplo a ausência de verificação de qualquer perigo de continuação da atividade criminosa, que o legislador previu a exceção ao estabelecer a possibilidade de o juiz a dispensar. Também os casos em que o juízo de prognose positiva empreendido pelo julgador conduz à condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, permite colocar a questão sobre pertinácia da recolha de ADN. Mas essa é uma questão que caberá ao julgador enfrentar, sendo com esse fim que o legislador reserva a competência para determinar a obrigatoriedade da recolha a um juiz, prevendo desde logo, como exceção, a possibilidade de ser dispensada a recolha da amostra, mediante despacho judicial quando a recolha se mostre desnecessária ou inviável (n.º 6 do artigo 8.º). Na verdade, a dispensa de fundamentação para determinar a recolha das amostras de ADN a condena- dos em pena de prisão igual ou superior a três anos, ainda que tenha sido substituída, resultante da norma objeto do recurso, não significa dispensa da análise do caso concreto pelo juiz. 26. Em suma, a instituição pelo legislador – no cumprimento do seu poder de densificação dos pressu- postos materiais da medida restritiva de direitos fundamentais na norma que a habilita – da regra da recolha

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