TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
484 transfronteiriça e cooperação de âmbito penal. Neste contexto, e meramente a título de exemplo, será útil indicar que desde a Decisão n.º 2011/472/UE, do Conselho da União Europeia, relativa ao lançamento do intercâmbio automatizado de dados de ADN em Portugal, que o País é considerado habilitado a receber e transmitir dados pessoais. Em janeiro de 2015 iniciaram-se os trabalhos para ligação internacional da Base de Dados portuguesa. É à luz destes interesses públicos que terá lugar a aplicação dos três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade: idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito). 24. Na linha da jurisprudência anteriormente produzida pelo Tribunal Constitucional sobre esta maté- ria, em especial os Acórdãos n. os 155/07 e 227/08, a que acima se aludiu, também no caso da norma ora em apreciação não é possível afirmar que as restrições aos direitos fundamentais nela implicadas violem qualquer dos subprincípios enunciados. Com efeito, é manifesta a adequação da referida norma para a prossecução dos fins visados, servindo a recolha e conservação de dados de ADN numa base de dados as finalidades de investigação criminal. É inegável que a criação de uma base de dados de perfis de ADN amplia as possibilidades de identificação dos responsáveis pela prática de um crime, permitindo comparar os perfis constantes da base de dados (amostras- -referência) com os perfis resultantes das amostras biológicas colhidas durante uma investigação criminal (amostras-problema). De outro lado, não é possível ignorar que o grau de eficácia desta ferramenta que se baseia numa comparação de perfis, depende inevitável e diretamente do número de amostras recolhidas. Neste sentido, a recolha de ADN a todos os condenados em penas iguais ou superiores a 3 anos de prisão, constitui um meio relevante para sustentar a base de dados de ADN com aquisição de amostras-referência de forma a possibilitar a utilização desta ferramenta na resolução de investigações por crimes que pendem contra autores desconhecidos. O legislador vê na condenação em pena igual ou superior a 3 anos um critério que permite identificar os visados pela ordem de recolha de ADN como pessoas que já demonstraram capacidade para cometer uma infração de gravidade suficiente para o justificar. É certo que o legislador poderia ter optado por impor a regra da recolha apenas a condenados em penas iguais a superiores a cinco ou oito anos de prisão, restringindo, desta forma, o âmbito da sua incidência. Uma tal restrição permitira, naturalmente, uma maior otimização dos interesses dos visados, mas, em contrapartida, diminuiria a otimização do interesse público. Todavia, tendo em vista os fins pretendidos, não é possível ignorar que a recolha de perfis de condenados constitui a principal fonte de inserção de perfis para comparação. A criminalidade com elevado risco de recidiva em que a prova por análise de ADN se apresenta como especialmente eficaz – os crimes contra a autodeterminação sexual – integra o espaço ocupado pelas condenações em penas de 3 anos de prisão. Assim, a opção por um critério que recorresse a uma maior medida da pena poderia comprometer o nível de concretização do inte- resse público visado pelo legislador. Poderia igualmente o legislador ter optado por basear o critério da determinação da recolha da amostra de ADN a condenados por referência ao tipo de crimes cometidos, em vez de eleger a medida da pena da condenação como critério. Uma tal opção tornaria mais evidente a consideração do impacto social do crime cometido, a sua gravidade para a sociedade. Todavia, a medida da pena – que deve ser fixada necessariamente dentro da moldura penal abstrata prevista para punir o crime –, não deixa de representar também uma tra- dução, pelo legislador, dos sentimentos da sociedade perante a afeção de um determinado bem jurídico. Por outro lado, não é evidente o carácter menos lesivo dos direitos fundamentais em causa dessa opção, uma vez que ambas as soluções levam a níveis semelhantes de lesão. Assim, deve considerar-se que se desconhecem medidas menos lesivas que possam produzir o efeito pretendido, pelo que o meio em causa no presente pro- cesso se apresenta mesmo como necessário.
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